Portal da Cidade Mariana

Crônica

A novidade ainda me pega?

Andreia Donadon Leal - Mestre em Literatura pela UFV

Publicado em 21/11/2018 às 08:18

(Foto: Blog Sem Destino)

Andávamos apressadas, com destino certo. A caminhada era diária e contínua. Faz bem para saúde. Saudável era o substantivo da modernidade. Por mais que comêssemos apenas verduras e frutas, o corpo pedia, de vez em quando, massa ou doce. Não era gulodice, mas desejos de qualquer ser humano que aprecia comidas deliciosas. Nem sempre o deliciamento significava saúde. Mas não nos importávamos com regras rígidas e obsessões por corpos magrelos. Queríamos ser saudáveis, sem ser neuróticos. Passamos por uma sorveteria. Minha boca se encheu d’água. Olhei a carteira, vazia. Ainda bem. Pensei nas calorias perdidas e nas que ganharia caso parasse para desfrutar da guloseima. Continuamos passando pelas ruas estreitas. Ora encontrávamos com adolescentes magros com potes de sorvetes enormes. Ora encontrávamos com estudantes universitários com copos de refrigerantes. Ora encontrávamos com professores comendo sanduíches. Seguíamos a todo vapor e com toda dedicação. Às vezes, um tropeção ali, outro acolá, distraídas por alguma vitrine. Meu olhar se voltava para as livrarias. Bem, por uma única livraria que exibia livros na vitrine. Como é possível uma cidade tricentenária ter apenas uma livraria? Pensei com meus botões, meio encabulada e chateada. Mariana, cidade de grandes poetas e cronistas. Mariana, berço da cultura mineira. Mariana, símbolo da arte barroca. Mariana, terra dos poetas aldravistas, que deixam uma nova forma de poesia como legado para as gerações presentes e vindouras. Ah, Mariana, terra de montanhas, de seixos rolados, de praças verdejantes, de museus e ateliers importantes para a História Brasileira... Deixei de pensar na importância da cidade para o país, parando na farmácia para comprar um creme de passar no cabelo. Vasculhei as prateleiras repletas de shampoos, cremes e máscaras hidratantes. Estiquei meu braço para pegar determinada marca conhecida, já exibida por cabelos sedosos e hidratados em comerciais de televisão. Marca experimentada por mim. Se bem que meu cabelo não era exigente por marcas famosas. Antes de tirar o produto da prateleira, chegou a vendedora. Cabelos esvoaçantes, alto, cacheados, uniforme justo, maquiagem; a moça usava aparelhos e tinha a língua meio presa, quando nos cumprimentou com um sorriso profissional. Perguntou o que estávamos procurando. Era óbvio, pensei, mas não falei nada para não causar constrangimento e nem ser mal educada. Expliquei rapidamente, pois estava com pressa. Mal eu sabia que sairia dali depois de bons minutos de blá, blá, blá. A vendedora pegou o produto de minha mão. Balançou negativamente a cabeça. Perguntou-me se havia algum motivo específico para aquela compra. Quer dizer, se o creme era para hidratar ou para outra coisa. Não quis dizer que meu cabelo estava precisando de hidratação. Não quis dizer que meu cabelo ultimamente estava caindo um pouco. Disse que apenas precisava de um creme, e logo pensei, o que ela tem a ver com isso? A moça pegou minha mão, levando-me para outra prateleira. Explicou longamente os benefícios dos produtos que estavam expostos naquela prateleira especial. Não conhecia nenhum daqueles potes de creme e shampoos, respondi sinceramente. Ela logo argumentou que eram novos no mercado, e melhores do que aquele que eu iria adquirir. Abriu o pote mostrando a consistência do conteúdo. Falou de todos os componentes. Abriu o pote. Balançou-o de cabeça para baixo, falando que o creme não caia no chão. Balançou de novo. Olhou furtivamente para nossas expressões, esperando deslumbramento. Continuei com a expressão enfadada. Minha funcionária e companheira de caminhadas exibia o rosto encantado, balançando a cabeça em sinal afirmativo. Não sei se foi meu olho, depois da terceira balançada do creme espesso para baixo, parte dele caiu no chão. A funcionária da farmácia ficou vermelha, justificando a queda creme, porque balançou muito o pote. Duvidei da assertiva. Ela logo nos pediu licença e foi pegar o pano para limpar o chão. Desculpa esfarrapada. Voltou. Disse que daria um desconto de 15%. Devolveu o produto à prateleira, deixando-o de lado como se ele não existisse mais. Mostrou novos cremes e shampoos, elogiando as marcas e os benefícios. Quase sai correndo da farmácia, por não suportar tanta falazada na minha cabeça. A compra de um simples produto que estava faltando em minha casa estava virando um verdadeiro pesadelo. A vendedora não era mal intencionada. A vendedora apenas cumpria o papel a que fora contratada, pensei. A vendedora era jovem, animada, sonhadora, pensei, respirando e contando até 20. Eu, já passava dos quarenta e quatro e não podia perder a cabeça com o colóquio, que ela fazia no finalzinho da tarde. Repensei. Não tinha compromissos em minha agenda. Não tinha trabalhos domésticos. Não tinha demandas me aguardando. Acenei para minha funcionária, sorrindo do jeito elétrico e animado da vendedora, e deixei me levar por aquelas explicações mirabolantes sobre shampoos e cremes novos, e ainda levei o novo produto para a casa.


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