Portal da Cidade Mariana

Crônica

Amor que carrego dentro do peito

Confira a crônica de Andreia Donadon Leal - Mestre em Literatura pela UFV

Publicado em 14/06/2020 às 04:15

(Foto: Pixabay)

Mente bloqueada. Chateação, aborrecimento. Essa fase da vida tem sido difícil. O mundo me desagrada. A produção semanal vem esfacelada. Momentos difíceis. Chuva com raios invade a casa. Medo se intensifica. Cuidado humanizado. Um olho na matriarca, outro no céu. Pensamentos desconexos saem da voz sussurrante. Números e fragmentos de letras de músicas fazem parte de seu repertório. Às vezes, consciente, às vezes, apática, memória desfalecida... Que cansaço infernal! Nem só de brisa vivem os poetas e artistas. Nunca fomos tão desvalorizados. Com que desarranjo vivemos? Suspeito que monitoram nossas publicações na rede. Tempos de censura, perseguição, mazelas, fake news. Volto minha atenção para quem me interessa. Olhar opaco, cenho fechado. Canhota em atividade constante. Não sei o que se passa em sua cabeça, nem o conteúdo dos seus pensamentos desconexos. Não compreendo os danos cerebrais, como não mensuro a capacidade de reação de seu organismo. Medicina é ciência inexata. A paciente executa comandos quando quer. Fico a mirar seu semblante; a pensar no seu passado de noites insones, vigiando minhas febres. Recordo sua voz afinada, cantando: "repito o que todo mundo diz: não é só casa e comida que faz uma mulher feliz" ou "que beijinho doce que ele tem, depois que beijei ele, nunca mais amei ninguém, que beijinho doce foi ele quem trouxe de longe pra mim, um abraço apertado, suspiro dobrado de amor sem fim”, ou ainda: "Vinte e cinco anos de veneração e prazer, pois até nos momentos de dor, o teu coração me faz compreender, que a vida é bem pequena para tanto amor". Mergulho nas recordações, para segurar o tempo que, inexorável, escorre rapidamente. O vento varre as folhas que a chuva derrubou. A luz piscou duas vezes. Suspirei de tristeza. Olhei o livro de figuras coloridas. Ela olhou 3 páginas, depois se enfadou, virando o rosto para a parede. Fiz algumas contorcionices. Cantei, declamei, dancei. Ela fechou os olhos. Desliguei a televisão. A chuva tinha cessado. Frio. Guardei o livro. Sentei-me na cadeira ao lado de sua cama. Segurei as lágrimas que insistiram em cair. Disfarcei. Disfarçar, pra quê? Eu estava fora de seu foco. Enxuguei as lágrimas. Comecei a levantar meu corpo da cadeira. Ela levantou o braço, procurando minha mão. Olhou-me profundamente. Seus olhos, apesar de opacos e confusos, eram os mesmos que cantavam em dias de domingo, ao pé do tanque ou preparando almoço para prole. Seus fragmentos são amados, incondicionalmente. Não é fácil. E quem disse que seria? Já se passaram longos meses. Pois é, o meu coração sabe, sente e compreende que esta vida é muito pequena, muito pequena para proporcionar AMOR e DIGNIDADE a quem tanto nos amou.


Receba as notícias através do grupo oficial do Portal da Cidade Mariana no seu WhatsApp. Não se preocupe, somente nosso número conseguirá fazer publicações, evitando assim conteúdos impróprios e inadequados. 📲

Participe: CLIQUE AQUI 👈

Faça parte também das nossas redes sociais: Facebook e Instagram.

Fonte:

Deixe seu comentário