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Crônica

Apelo enfático por isonomia

Confira a crônica de Andreia Donadon Leal - Mestre em Literatura pela UFV

Publicado em 26/04/2020 às 03:00
Atualizado em

(Foto: Pixabay)

Dia ensolarado, propício para bater pernas nas ruas, se não fosse o isolamento social imposto pela pandemia de coronavírus. Desconheço horas, minutos e segundos cronometrados pelos ponteiros do relógio. O ritmo acelerado diminuiu. Divido o tempo em intensas horas de leitura, escrita e olhares para a rodovia que passa ao alcance de minha vista, da janela de meu quarto. Carros em movimento contínuo me remetem à liberdade de ir e vir. Rezo: Meu Deus! Logo eu que desaprendi a rezar. Acho que lembrar de Deus é oração. Rumino demasiadamente para escrever sobre coisas, detalhes, ações, miudezas. Pensar com a própria cabeça virou desafio nesse reaproveitamento de pensamentos alheios. Meninos de máscaras passam pela rua. Mudamos. Aprendemos. Desrespeitamos a ordens. Morremos. Brigamos. Vivemos emparedados há muito tempo sem enxergar as paredes remotas que nos cerceavam. Este isolamento é paradoxal. O telefone de casa não toca com frequência. Aborrecimento e ruído a menos! O moço do correio vem de vez em quando. A papelada diminuiu. Que falta faz a correspondência! Entrevistas, viagens, palestras e eventos cancelados. Respiro. Rotina desacelerada. Porta da varanda aberta. Respiro ar fresco, miro montanhas, plantações, pessoas, carros e casas. Escuto movimentos e vozes de vizinhos. Observo balé sincronizado dos mosquitos. Quatro sentidos aguçados. Limpo a casa, arrumo a cama, dobro o cobertor. Nenhum apito compulsivo de celular. Nada pra ontem, inadiável, inarredável. Vivo integralmente o segundo de cada segundo de meu tempo lasso. Adolescente carrega um notebook. Cumprimenta-me dizendo que terá aulas remotas. Penso em ensino por correspondência para aqueles que não têm computador, acesso à internet ou vivem em áreas rurais sem conexão à rede. Estou fora do esquadro das tecnologias educacionais, da realidade? Reflito. Toda mudança traz algum progresso. Não é impossível acrescentar algo novo no que já foi colocado de lado. O homem foi criado para lutar, insistentemente, pela sobrevivência, não para criar seres pensantes e hipercriativos. Não fomos feitos para contar histórias, entender e pensar em nosso estilo de ler, criar, viver de arte. Fomos robotizados a economizar palavras, sensações, emoções, atenções, valores e pensamentos. Fomos robotizados a retrucar, a odiar, a dar faniquitos por figuras políticas ou celebridades. Fomos robotizados a seguir seitas, a responder no rompante das emoções, a soltar rojões de discórdias e falsas promessas. O jovem que me interpelou, seguiu seu caminho, animado com as aulas remotas. A escuridão tomou o céu. Fechei a porta da varanda. Ruminei sobre o ensino por correspondência, e naqueles que não terão acesso à aprendizagem remota. Esqueci as rezas tradicionais, mas peço a Deus que as aulas cheguem em todas as áreas do país. Por que meninas e meninos desprovidos de acesso a redes virtuais não podem receber suas aulas por correspondências? Não seria difícil imprimir o material disponibilizado aos conectados pela internet, para que os demais pudessem ter matérias e exercícios em suas casas. Isso não é retrocesso ao tempo do estudo por correspondência, mas um apelo enfático por isonomia, neste país em que a desigualdade tem reflexos também na forma de manter alunos com atividades em tempo de isolamento social.


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