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Crônica

É quase Natal!

Andreia Donadon Leal - Mestre em Literatura pela UFV

Publicado em 30/11/2018 às 07:22

(Foto: José Eduardo Carvalho Monte)


Perto do Natal. Nem senti o tempo passando. Natal quase chegando para dar as boas-novas. Tempo de Natal é época de rever parentes, amigos e celebrar a vida. As chuvas chegam com força total para molhar plantações, dizem os campesinos, e para reencher lagos de hidrelétricas, dizem os citadinos. Em algumas cidades, ela vem com força brutal, inundando campos, ruas e engolindo carros e casas. É primavera, quase verão, época de rever flores se pipocando para todos os lados, seja na estrada, nos campos ou nas ruas. A neblina também é presença constante nessa época. Em Mariana e Ouro Preto ela se instala retardando o amanhecer... É tudo neblina, é tudo pingo de chuva, é tudo nuvem. Aproveito a bruma da manhã e da tarde para ler meus livros prediletos. Suspense, ação! Já no quarto exemplar de uma editora famosa; autora internacional, médica, mas com vocação para a escrita. O nome da figura famosa é Tess Gerritsen. Li oito livros dela. Gosto de suspense. É o tipo de leitura que combina com o céu acinzentado, repleto de nuvens. Tess não optou pela carreira de médica, mas seus personagens falam pela sua profissão. Medo, pânico, assassinatos em série de famílias, uma cidade que faz alusão à tranquilidade, mas de longe o é. Depois dos livros lidos, resolvo dar uma volta na cidade. Muitos transeuntes na rua. Uns se esbarram no outro, com suas sombrinhas gigantes. O passeio é estreito. A rua é estreita. As pessoas se dividem entre o passeio e as ruas. Ruas apinhadas de pessoas e carros que procuram, sem sorte, um lugar para estacionar. O estacionamento pago é solução mais prática. Mas o dinheiro está curto. Final do mês chegando. Orçamento comprometido com contas essenciais. Não dá para realizar sonhos supérfluos. Hoje, especialmente na época do Natal, a opção é comprar uma lembrancinha na loja de 1,99, para os filhos, netos, sobrinhos, afilhados, etc. Quase sou atropelada por um veículo que buzina estridentemente ao ver minha figura andando com a cabeça na lua. Assusto-me com a brutalidade do motorista que além de buzinar e me assustar, tira a cabeça para fora da janela e me xinga de ‘folgada’. Nossa, o veículo é um táxi! Não retribuo o insulto, pois é quase Natal. Não vale a pena bater boca com quem está no auge do estresse. Não vale a pena correr atrás do carro e revidar. Não vale a pena guardar na memória a placa do carro. Respiro profundamente, treinada pelas técnicas da Yoga. Olho para trás e vejo mais um transeunte ser xingado pelo motorista. As ruas são estreitas, penso. É incompatível dividir um mesmo espaço com a lentidão de pedestres e rapidez de veículos; ou a fragilidade daqueles e a brutalidade pesada destes. Paciência, palavra chave, que deve fazer parte dos indivíduos, principalmente nessa época do ano. Abro minha sombrinha, quando percebo que a chuva engrossa. Olho para as vitrines enfeitadas e coloridas. Como o ano voou tão rápido, perspicaz, trazendo notícias boas e ruins. Saio da calçada para dar passagem para uma senhora de idade que anda encolhida em seu agasalho de inverno. Não é inverno, nem tão frio. Mas é só começar a chover que a maioria das pessoas tira seus casacos dos guarda-roupas. Não sinto frio, mas a água da poça penetra sorrateiramente meus calçados, me fazendo sentir calafrios. O pé, todo molhado. A sombrinha não protege integralmente. Visualizo um vestido de criança na vitrine. Olho interessada. Penso na minha sobrinha de três anos. Servirá como uma luva. Mas ela já avisou que não quer roupa de presente de Natal; mas, brinquedo. Ela está sendo influenciada pelo seu irmão mais velho. Mas é quase Natal, e os desejos das crianças devem ser cumpridos. Nem tanto ao pé da letra, mas quase lá. Se o presente ultrapassar nossa receita mensal, substituiremos por algo similar ao desejo. Desvio meus olhos da vitrine repleta de vestidos rodados. Que pena me dá ter que seguir, sem entrar na loja quase vazia. A chuva engrossa. A loja de brinquedos vai ter que esperar. Minha sombrinha também terá que esperar, pois não dá mais conta de conter a chuva que penetra em meu corpo. Continuo caminhando. Algumas pessoas se abrigam nas lojas, padarias e sorveterias. Não desejo entrar em loja para proteger meu corpo da chuva. É sua época. É época da bruma, que se esparrama integralmente pelo cenário marianense. Minha cidade natal, Itabira, quanto tempo não caminho pelas ruas de lá... Quanto tempo não vou pra lá! Muito tempo; não sei precisar, também não importa. Itabira é terra de Drummond. Mariana é terra de Alphonsus de Guimaraens. Sinto uma nostalgia pelos tempos idos. Sinto um leve calafrio correndo pela espinha. Sinto o cheiro das flores. Sinto o aroma do café da padaria. Caminho depressa, esbarrando em pessoas, pedindo automaticamente, desculpas pela minha pressa. Sou gentil. Procuro um ponto de táxi. Bato na janela fechada do carro. O motorista abaixa o vidro, com um sorriso treinado no rosto. É o mesmo que me xingou. E daí? É época de Natal, e ele não me reconheceu, como eu havia previsto. Sou mais um corpo sem rosto, que ele teve que enxotar de caminhar pelas ruas. Entro e retribuo o sorriso. O carro dá a partida. Conversamos sobre trivialidades. Motorista simpático, bom de papo. Minha raiva dilui-se momentaneamente. Também, é quase Natal...

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