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CRÔNICA

Era uma vez o Reino Encantado das Aldravias

Andreia Donadon Leal - Mestre em Literatura pela UFV

Publicado em 16/09/2019 às 07:46

Depois dos quarenta o corpo não segue os comandos do cérebro. Os pensamentos e ideias permanecem límpidos, criativos a ponto de desejarem continuar a bordar linhas do envelope branco. Texto e emoção se mesclam quando a retina se deslumbrou com o Reino Encantado das aldravias em SÃO JOÃO NEPOMUCENO.  

 

Estrada de asfalto quente. Mato pegando fogo. Parada em lanchonete. Pausa para almoço. Olhos no triste noticiário televisivo. Fogo no hospital. Vítimas. Lamento, divido a dor com os familiares. Um guri de 7 anos questiona o pai se a Amazônia é ali. Viro o rosto. As janelas estão fechadas. Ar condicionado ligado. Fogo sobe alto lambendo a mata. Perco o apetite. A poesia há de nutrir minha fome. O caminho é longo. Ar-condicionado do carro pifa. Abrimos a janela. Vento bate no rosto. Longe do fogo, respiro o ar puro.  

 

Fila quilométrica de caminhões. As paradas no pedágio atrasam nossa viagem. 5,30, 5,30; separo os valores. Pratas caem debaixo do banco. Sono e cansaço percorrem meu corpo. Este ano não tem sido mole não. É a dura realidade. Cortes na educação, a cultura deixou de ter importância para os governos, saúde no CTI, segurança em pane, homem em desespero, desemprego rondando as casas de famílias. Discursos de ódio, interpretações equivocadas; ninguém pode criticar ações governamentais que vira defensor ferrenho da oposição que se foi...  

 

As interpretações vão de mal a pior. A matriz curricular das escolas não foi elaborada por educadores, que mais é mais, pouco importando se o conteúdo será mera informação ou formação para a vida inteira. Perco-me nessas elucubrações. Que a poesia salve a nação do obscurantismo automatizado, do vício deslumbrado pela tecnologia. Kafka bem dizia que o livro deveria ter o poder de quebrar o gelo que há em nós ou a força de soco no crânio de um indivíduo. A leitura sempre será a melhor senda para se livrar do vírus do deslumbramento por figuras políticas. Bajular é missão de quem não tem perspectiva de outros horizontes profissionais. Os críticos fazem a balança se equilibrar.  

 

Seguimos o périplo na quentura da temperatura e do cansaço. Vejo ipês amarelos. O ipê é o símbolo da Aldravia: epifania /do/belo/meu /ipê/amarelo. Minha mãe luta pela vida em um hospital; nós em curvas, retas e ultrapassagens. As horas vão passando. Coloco os chinelos. Estico o corpo dorido. O calor me enerva. Suor corre solto pelo corpo. O corpo queimado dos enfermos; que dor! Outros pontos da vegetação na estrada pegam fogo. Nada de chuva. Que suplício!  

 

A entrada da cidade surge. Lojas, comerciantes trabalham com afinco. Chegamos ao hotel. Luíza e Maria Raquel nos recepcionam com honras. Caminhamos. A Feira Literária está logo ali. Sentimos o Movimento de pronto. Prendemos a respiração, enaltecidos com as placas enormes escritas: São João Nepomuceno no Reino da Aldravia.  

 

Barracas por todos os lados, escolas públicas, estaduais, particulares, universidade, todas em estado de encantamento pelo (uni)VERSO das aldravias, seduzidas pela Escola Municipal José Coronel Brás. O que as fadas Maria Raquel e Luíza fizeram com suas varinhas mágicas? Liberaram o pó mágico das aldravias, que bateu de porta em porta em todas as escolas do município. A cidade encantou-se com o pó aldrávico. Roletaaldravias, ALDRAGAN, robô, livros, dados, guardaaldravias, magicasaldravias, contos de aldravias, teatro, vídeo, mascote, jogos, ciclismo... O pó da Aldravia se espalhou no Mês de setembro (mês da Aldravia) em São João Nepomuceno colorindo o cenário de poesia.  

 

O cansaço diluiu-se num zás; as notícias ruins viraram passado, o calor sufocante foi tomado pelo ar refrescante, as dores calaram-se... Quem não se encantou pelo pó mágico das fadas? Ainda não tive notícia. Aristóteles teria se encantado com sua previsão de que a poesia é o dom da escrita expresso naquilo que os alunos transformaram em palavras-versos.  

 

A Grécia Dourada acertou em cheio ao defender que o cérebro tem a capacidade de experimentar o que lemos e expressar o que acontece dentro de nós. Foi isto que aldraviaram dois alunos da Escola Municipal Doutor Péricles Vieira e Mendonça: rua / sem / violência / professor / com / paciência (Maria Laura) // família / com / matemática / a / soma / do / perdão (Lívia 5. B). Soma e paciência, professor minimiza violência. Era uma vez o Reino Encantado da Aldravia em São João Nepomuceno que virou a cidade da Aldravia de milhares de alunos e famílias... 


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