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Crônica

Espera dói

Andreia Donadon Leal - Mestre em Literatura pela UFV

Publicado em 06/12/2018 às 06:15
Atualizado em

(Foto: Paco Solís)

Ontem foi um dia agitado, fora do comum. Passei pelo hospital da minha cidade. Não estava lotado, como pensei. Logo concluí que não ficaria muito tempo, aguardando o médico de plantão. Perguntei o nome do profissional, a atendente falou rapidamente, como se tivesse falado um palavrão. Deus seja louvado! Perguntei pela segunda vez a graça do profissional de saúde, e mais uma vez não entendi nada. Não entendi nada! Ela repetiu, meio com má vontade, com rosto cansado do batidão do plantão. Fingi que entendi. Foram chegando crianças e idosos. A enfermeira me chamou para auferir se meu caso era urgente, pouco urgente ou não urgente. Sai da sala com a pulseira de cor azul. Não urgente. Os que chegaram depois de mim saíram com a pulseira verde. Todos passaram na minha frente. Tudo bem que eles tinham lá seus problemas piores do que o meu, mas dor de artrite não é mamão com açúcar. Dói mesmo. Eu poderia ter sido mais convincente da minha dor, pensei com meus botões. Nada, não valeria a pena, concluí ao ver a criança vomitando o banheiro do hospital. Ah! Ela estava de pulseira verde! Deveria estar com a laranja ou vermelha. Virei o olhar para não comprometer meu estômago e coração por aquela criança que sofria. Ainda bem que o pai a ajudava com toda paciência do mundo. Limpou a sujeira da roupa dela. Pediu a atendente um pano de chão para limpar o banheiro. Fiquei deveras aturdida e surpresa com tal atitude. Isto que era cidadania. A criança logo foi chamada pelo pediatra. Ainda bem que tinha o especialista naquele momento. Era mais do que necessário. Sorri satisfeita. Não me importaria de ficar horas à espera. Quem passava na minha frente tinha mais necessidade de atendimento médico. Olhei para fora do hospital. Silêncio. Nenhuma visita aguardava lá fora. Não chovia. Fazia um calor discreto. A lua quase minguante estava plantada no céu acinzentado. Um senhor chegou reclamando dor no pescoço. A atendente perguntou se ele tinha plano. Ele negou com a cabeça. Ele teria que retornar à meia-noite, então, ou ir à Policlínica. Ele balançou a cabeça explicando para a mulher que não aguentava andar mais. Eram 9:40. Ele teria que esperar muito tempo. Que injustiça! Quase me ofereci para levá-lo, mas minhas mãos estavam trêmulas, e eu não conhecia o senhor. Ele esperaria, como eu aguardava pacientemente, apesar de minhas dores. Não acreditei que o plantonista descobriria a causa delas. Sinto-as há muito tempo. Nenhum profissional da saúde fez o diagnóstico preciso. Analgésicos e antiinflamatórios foram receitados e nenhum aplacou as dores. Final de ano é assim. Dores por todos os lados. Rezo com fé para que ela se abrande logo. Vou com fé, mesmo com uma ponta de dúvida, quando o porteiro me convoca. Levanto-me rapidamente. Não tinha nenhum paciente mais na recepção. Sabia que eu seria a última. Rezei para que nenhum paciente surgisse da porta e passasse na minha frente. Entrei. Aguardei o médico de nome dificílimo me chamar. Curiosa, andei pelo corredor. Vi alguns quartos com pacientes. Uma sala especial com duas pacientes entubadas. Aquilo deveria incomodar bastante. Passar o alimento por aquele tubo. Vários fios sobre o corpo. Barulho de máquinas. Uma paciente estava dormindo ou inconsciente. Tive desejo de perguntar. A outra era uma senhora idosa, com olhos fechados. Numa cadeira ao lado, um parente. Olhos abertos, sempre atentos na figura de cor pálida deitada na cama. O enfermeiro me chamou. Esqueci do médico. Apressei meu passo. Entrei no consultório do médico. Sala pequena. Ele preenchia alguma coisa no computador. Ergueu os olhos e falou sobre minhas dores. Mandou-me procurar um especialista. Ele foi sincero. O médico grandão de nome esquisito mediu pressão. Auscultou coração. Verificou minha língua. Abriu meus olhos. Apertou minhas costelas. Concluí: ele não sabia o que eu tinha. Colocou um ponto de interrogação no formulário. Passou três injeções. O enfermeiro me chamou, com simpatia. Sujeito simpático. Ele me perguntou se eu tinha medo de injeção. Balancei a cabeça, negando. Imagine se tivesse medo de injeção? Só não podia olhar para a agulha. Aquele troço impunha respeito e medo. Um fio fino de metal poderia colocar crianças e marmanjos em pânico total. Furar a pele não era lá meu programa preferido. Mas vá lá, falei. Se for para moderar ou quitar a dor, fazemos o que for preciso. De placebo injetado, volta pra casa. Inicio lá, pacientemente, a espera de lugar na agenda do único especialista em reumatologia radicado na região! Como a espera dói!

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