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CRÔNICA

Falam do futuro... e o presente?

Andreia Donadon Leal- Mestre em Literatura pela UFV

Publicado em 16/08/2019 às 07:10

Falam do futuro, 2020, 2021, 2022; de eleições, reeleições ou o que vai acontecer ulteriormente na ciência, religião, história, geografia, matemática, enfim, em todas as áreas do conhecimento que norteiam o mundo. Custo a me acostumar com previsões e planejamentos a médio e longo prazos.

O tempo é inesperado, imprevisível; prefiro viver profundamente o presente, a ter que me amarrar nas dobras e adivinhações futurísticas. Imagino, hipoteticamente, como seria o ano 4.000. Novos dogmas? Novos deuses? Creio que sim. A tecnologia de hoje será jurássica. Doenças terminais passarão para o nível 1. Que os cientistas me corrijam, se o termo estiver em desacordo com as definições científicas. De ciências e tecnologia, pouco sei. Os seres terão mais qualidade de vida? Talvez mais permanência na terra; muitos viverão noventa ou mais de cem anos, sem limitações e doenças degenerativas.

O passamento, creio eu, será mais aceitável, compreendido, afinal tudo se transforma em partículas de energia a girar nesse éter infinito. O universo é um milagre do cosmo, de nanopartículas que se juntaram para formar átomos. Do mesmo modo, as letras formam palavras, as palavras orações, as orações textos. Acredito piamente que a geração 4.000 terá mais informações e cultura para compreensão de que o corpo é energia, que se despe da carne para se juntar às nanopartículas num processo contínuo de reconstrução do universo. Volto meus pensamentos para a realidade. Meu ano fugiu da rota. Doenças, tristezas, perdas, pelejas, e pequenas pausas para confraternizar-me com amigos.

Já não tenho tempo para escrever sobre o caos e as mazelas da política. Aqui não vai nada bem, mas há pessoas que botam fé; coloquei minha barba de molho há tempos. Essa política não me agrada, não me convence, não me engana. Vivo com o pé atrás, os olhos abertos, as costas encostadas na parede. Outro dia um taxista me disse que anda enervado com tanta politicagem e que vota em branco há quatro eleições. Respeito a decisão do cidadão. Voto nem deveria ser obrigatório. Em 4.000 ninguém será obrigado a votar em ninguém, nem invalidar ou votar em branco. Quem decidir votar, não terá o aborrecimento de sair de casa; o voto será virtual. Nem terá a chatice do comício. Será que essa geração terá tanta mordomia e liberdade? Imprevisível, mas fico a pensar, e os livros? Respiro profundamente.

Não consigo imaginar algo espantosamente promissor para o Livro. Mas se 4.000 vai gerar seres informados, cultos, livres, saudáveis, teremos mais leitores, então mais livros. Prevejo, com os pés nas nuvens, livros, muitos livros, pois mais leitores ávidos por literatura. Livros por todos os cantos, lados e quadrantes. Livro nas nuvens, nas árvores, nas ruas, nos pontos, nos aeroportos, nas salas, nas praias, enfim, em todas as esquinas das ruas. 

Viver em 4.000 terá seus privilégios. Os políticos passarão por peneiras, concursos, debates, testes psicológicos; não haverá reeleição, monopólio, gastos com luxo, vale alimentação, vale moradia, vale isso, vale aquilo; nepotismo, perseguições, injustiças, matanças... O congresso não será formado por políticos, mas por cidadãos ilibados indicados pela sociedade. Ando com os pés sobre as águas, idealizando o ano 4.000. Culpa da incurável insônia. A literatura é para concretizar o sonho mais absurdo do sujeito desperto. 

Penso no oposto do mundo ideal: catástrofes, epidemias, dificuldades da gente de lá... Parece insanidade ficar sonhando um futuro estonteante, ideal, se tenho dificuldades para transpor as curvas, reerguer-me de desequilíbrios e enxotar tristezas do presente, pois voos turbulentos e amargas mazelas ilustram as manchetes deste instante.

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