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terça literária

Leia a Crônica de Andreia Donadon Leal, artista residente em Mariana

Confira a crônica "CARTAS" I por Andreia Donadon Leal - Mestre em Literatura pela UFV.

Publicado em 22/09/2020 às 06:45

(Foto: Pixabay)

Cartas me emocionam. Lembro-me da época em que estudei a clássica de Pero Vaz de Caminha, descrevendo ao Rei de Portugal as belezas e riquezas imensuráveis encontradas no Brasil. Imagino o deslumbramento dos descobridores; as expressões de encantamento e fascinação pelas paisagens tropicais. Não foi somente nos estudos que me fascinei pelo gênero epistolar. Na infância, verificava a caixa postal de casa, a pedido de meus pais. O que me fascinava era o envelope não tão branco, com marcas de cola, dedos, canetas, com selos coloridos; a curiosidade se aguçava ao ler o nome do remetente e ‘carta social’. Certamente pensava que a expressão significava coisa ‘importante’. O envelope poderia trazer boas ou péssimas novas, que mudariam nossas vidas para melhor, ou não. Uma vez recebemos carta em que comunicava a transferência do meu pai de Itabira para Vitória-ES. Carta burocrática, alguém explicou. A meninada chorou horrores, quando pai leu a missiva burocrática, pausadamente. Estranhamento e insegurança com o desconhecido. Primeiro pânico: perder os amigos da escola... Segundo: experimentar algo novo. Mal sabíamos que lá teríamos boas surpresas. Mal sabíamos que lá, viveríamos confortavelmente em casa espaçosa e de frente para a praia. Mal sabíamos que lá veríamos o mar, tão perto, ao alcance das mãos e de nossos corpos desejosos das águas do oceano. Mal sabíamos que lá, aprenderíamos a nadar. Mal sabíamos que lá viveríamos a melhor época de nossas vidas. Carta burocrática chata, abençoada! Nem sempre recebemos boas novas. Isto é fato, mas aqui relato o que ficou guardado na memória, e hoje faz parte de lembranças que faço questão de contar. Recordo-me, ainda, de outras que cheguei a receber. Na infância e adolescência recebi duas missivas, devidamente envelopadas e seladas; de uma amiga de Itabira e de um conhecido de Santa Bárbara. A internet não estava ao meu alcance; não havia nem e-mail nem redes sociais. Cresci e conheci e-mail. Que coisa sofisticada. Estranho ler carta em tela luminosa. Custei a me acostumar com a facilidade do e-mail. Custei a me acostumar com a velocidade dos comunicados e informações. Custei, mas finalmente, gostei de poder escrever para amigos, parentes e pessoas conhecidas, que não via havia tempo. O correio eletrônico, sem dúvida, facilitou o envio de cartas e proporcionou-me encontros. No final do curso universitário, isso já com meus vinte e oito, tive o ímpeto de escrever cartas-poemas para meu ex-professor, que hoje é meu marido. Não por e-mail, mas pelo correio tradicional, com bordados feitos à mão, letra caprichada, com direito a gotículas de perfume. Não sei o número de cartas, mas certamente foram tão eloquentes e apaixonadas, que chegaram a atingir o objetivo: laçar o moço pelas palavras. Mudei-me para Mariana quando me casei. A paixão pela escrita e leitura sempre fizeram parte de minha vida. Corri atrás do sonho, de poder ilustrar palavras em jornais, revistas e livros. Com o passar dos anos e à medida que escrevia e publicava livros, comecei a receber mais cartas eletrônicas e/ou postadas pelo correio tradicional; impressões, críticas e relatos sobre obras, personagens dos livros. Recebi de inúmeros lugares, desde os mais improváveis ou inesperados. Algumas vieram de sistemas prisionais, talvez por distribuir grande parte dos livros para entidades culturais, filantrópicas, bibliotecas públicas e comunitárias e escolares. Mas, cadê a emoção nisto tudo? A carta que mais me tocou. A carta das cartas. A carta que informava possíveis modificações. As cartas com depoimentos intrigantes que valeriam a pena relatar neste texto. Não, não tenho este objetivo. O que me emociona profundamente é quando alguém ou algum fato consegue me tocar ao ponto de lembrar fatos do passado. Isto sim, vale a pena contar. Receber cartas que falam da paixão de ler um livro, passagens de determinadas estórias, encontros e aprendizagens com personagens me emocionam muito, pois me fazem lembrar da época em que estudei a de Pero Vaz de Caminha, que descrevia o deslumbramento e fascinação pelo novo, ou as que eu mesma escrevi no final do curso universitário, para meu professor, com desejo de conquistar o amor, através das palavras. Hoje, tive o prazer de receber em minha caixa postal cartas devidamente envelopadas, seladas e com diversos desenhos, relatos e impressões de escolares de zona rural, sobre um livro meu de estória juvenil. Penso que muitos escritores recebam convites e missivas de alunos. Todos os remetentes tinham o desejo de tocar a sensibilidade da escritora, com frases e textos bem engendrados, que atingiram o objetivo dos meninos: laçar a escritora pelas palavras. Talvez com a mesma pitada de sedução de uma ex-aluna que queria conquistar seu ex-professor...

Bem-vindas as cartas!  


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