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Crônica

Leia a Crônica de Andreia Donadon Leal, artista residente em Mariana

"Patina no gelo a sanidade das autoridades", por Andreia Donadon Leal I Mestre em Literatura pela UFV.

Publicado em 20/12/2020 às 04:15
Atualizado em

(Foto: Pixabay)

Patina no gelo a sanidade das autoridades  

Caos virótico na saúde física e mental neste fim de ano. "Estamos meio loucos, dona". Aforismo mais racional do ano. Ando perdida no meio de papéis, documentos, mensagens eletrônicas, lives, projetos, estudos, burocracia; demandas de biossegurança, lavar as mãos com água e sabão, usar máscara, distanciamento social; tomar conta de idoso que teima em não usar máscara e coparticipar de encontros presenciais... Lavo roupa todos os dias. Paro no piso da cozinha para pensar no que eu esqueci de fazer. Não me lembro do último pensamento, do que comi ou com quem conversei. Volto ao ponto zero. Olho a ponta do polegar. Tempo some no espaço estático feito meteoro. Tudo pela metade. Metade de mim quer tomar banho, metade quer esquecer do mundo no colo do sono profundo. Onde foi parar a liberdade do nosso céu terreno? Chove, graças aos céus de final de ano. Papai Noel vai virar pista de gelo nos seixos. Capim do chiqueirinho em frente à Matriz não segura chuva, vento e sol, muito menos vírus. Que cenário apocalíptico! A dona anuncia, com alegria surreal, festa pública de final de ano. Perguntam-me: – como serão as normas de distanciamento para brincar na pista? De máscara ou sem máscara? Máscara só na boca ou pendurada na orelha feito brinco? O funcionário do Banco vai de lá pra cá, com máscara pendurada na boca. Solícito com idosos que requerem serviços presenciais, gesticula falando em alto e elevadíssimo tom. Ele também está nervoso. Auxílio emergencial tem seus paradoxos que não explico: abrir conta bancária para receber verba em plena pandemia. Bancos com filas quilométricas, atendimento reduzido, muito protocolo interno, nenhum protocolo na fila que invade calçada. Uma senhorinha, respirando com auxílio de balão de oxigênio, aguarda solenemente, atendimento do caixa. Mais um punhado de idosos na fila. Não tem fila prioritária. Zero atendente ou usuário do colete "posso ajudar?" na entrada da agência. Nada de demarcação de "mantenha distância”. Moça reclama dor nas costas. Meu corpo bambeia. Olho desconfiada para um senhor que insiste em furar a fila. Coitado dele e de nós. Quatro horas se passam num estalo lento e tenso. Ninguém tem culpa de nada?! Olho para a parede suja do banco, evitando encarar o senhor possesso de raiva. Tem razão o moço! Tenho minhas razões pessoais em não alimentar os sentimentos revoltosos dele. Estamos estressados, tristes e loucos. O silêncio é arma-dura da paz de espírito. Vou reclamar no zero oitocentos, no MP, nos direitos humanos sobre a pista de gelo e chamamento para aglomeração. Vou perguntar pra Deus: que força motriz rachou a paz, a sanidade do ser humano e a defesa à vida? Patino na fila do banco, enquanto patina no gelo a sanidade das autoridades. 

Andreia Donadon Leal  


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[Este texto foi produzido pela autora Andreia Donadon Leal, não sendo de redação do Portal da Cidade e, deste modo, pode não representar as opiniões da empresa.]

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