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Crônica

Ler todos os dias

Andreia Donadon Leal - Mestre em Literatura pela UFV

Publicado em 09/01/2019 às 06:23
Atualizado em

(Foto: Google Imagens)

Livros só mudam pessoas


A média brasileira de leitura, segundo pesquisas divulgadas, é ler de dois a três livros por ano. É vezo humano consolar-se facilmente ou tomar como base índice tão pífio. É mórbido, mas é mais cômodo e fácil, consolar-se da própria preguiça ou miséria, quando reconhecemos (erroneamente) que há pelo mundo afora, homens mais preguiçosos, mais incultos ou mais miseráveis do que nós, porque leem menos. Certo filósofo grego chegou a dizer isso, procurando consolar-se de seus próprios defeitos, de sua perversidade e de sua preguiça, quando reconhecia, que há no mundo, homens muito mais perversos ou mais preguiçosos do que ele.

A assertiva acima está longe de ser nobre e exemplar. O desejo de melhorar demonstra luta, esforço contínuo, trabalho, foco, vontade de crescer, além de uma boa dose de energia moral. Seria enriquecedor se nos pautássemos sempre no inverso: que há homens, incrivelmente mais cultos do que nós, que há pessoas que leem mais, porque a leitura abre caminhos, portas, mundos, e nos tira da escuridão e do obscurantismo intelectual e artístico. Há homens e mulheres, incrivelmente mais informados, mais esforçados; menos miseráveis e menos embrutecidos intelectualmente do que nós.
Nivelar-se na média nacional é contentamento de muitos, para não dizer comodidade e preguiça. Muitos jovens e/ou adultos falam abertamente que leem um ou dois livros por ano. Alguns porque o colégio exigiu, outros porque está fazendo frio ou chovendo, ou não têm nada mais interessante para fazer. O hábito da leitura ocupa no Brasil, um baixo índice, apesar de inúmeros programas, projetos e iniciativas governamentais e da sociedade civil, que trabalham incansavelmente, para promover a leitura e acesso aos livros.
Ler deveria ser vício, paixão avassaladora, prazer dos prazeres, pois é o alimento mais eficiente e duradouro para a mente, para o enriquecimento intelectual e para a vida. Ler salva vidas do empobrecimento de palavras e de expressões, da miséria de ideias, de opiniões e do embrutecimento intelectual. Ler não só salva vidas, mas também é um dos maiores prazeres da introspecção. Auxilia nas análises e nas reflexões; ajuda-nos a opinar e a defender nossos direitos com propriedade e embasamento.
Para Harold Bloom, “ler é um dos grandes prazeres da solidão. O mais benéfico dos prazeres, ao menos segundo sua experiência. Ler nos conduz à alteridade, seja à nossa própria ou à de nossos amigos, presentes ou futuros. Literatura de ficção é alteridade e, portanto, alivia a solidão. Lemos não apenas porque, na vida real, jamais conheceremos tantas pessoas como através da leitura, mas também, porque amizades são frágeis, propensas a diminuir em número, a desaparecer, a sucumbir em decorrência da distância, do tempo, das divergências, dos desafetos da vida familiar e amorosa”. Ler por iniciativa é estar sempre apto para formar opiniões críticas e chegar a avaliações pessoais, seja por divertimento ou por algum objetivo específico.
Leio todos os dias, por prazer e necessidade de ofício. A leitura faz parte da minha vida na mesma proporção e importância da alimentação e das necessidades fisiológicas. Uso-a ao bel prazer do intelecto, da criatividade e da felicidade. Os livros nos mostram mundos; a leitura salva vidas. Para exercitar o cérebro com leituras diárias, seleciono livros, cujas tramas e gêneros tenho maior predileção. Gosto dos escritos de Olavo Bilac, Cláudio Manuel da Costa, Clarice Lispector, Paulo Mendes Campos, Raquel de Queiróz, Moacyr Scliar, Gabriel Bicalho, Carlos Drummond de Andrade, Walcyr Carrasco, Ana Maria Machado, Manuel Bandeira, Dalton Trevisan, Machado de Assis, Flávia Lins e Silva, Julie Fogliano, Umberto Eco, Fernando Pessoa, Saramago, Federico García Lorca, Pablo Neruda, Meg Cabot, Isabel Allende, e outros autores, além de ler gêneros literários diversificados, como poesia, contos e romances.
Ler é paixão desde a infância. É só começar a ler, para constatar que de fato o livro, a leitura e a literatura são os amigos mais fiéis e enriquecedores do mundo. Creiam e tenham fé na ação benéfica da leitura, prezados leitores, pois além de nos tirar do obscurantismo intelectual, nos disponibiliza uma série de personagens e tensões, para vivenciarmos e experimentarmos outras vidas, outros mundos, outras culturas. Não importa o motivo, a escolha, as predileções, o que importa é ler, ler com prazer, até que o último fio de lucidez e sopro de vida se apague. 

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