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CRÔNICA

Mãe sempre cuidou de me avisar

Confira a crônica de Andreia Donadon Leal, mestre em Literatura pela UFV

Publicado em 11/02/2020 às 21:00
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Tristeza e pânico exalando dos poros. Desconfiança pós-traumática. Deus é justo. Tempo de duras penas. Passo pelo inferno sem olhar para trás. O anjo há de nos salvar mais cedo, mais tarde. Desespero é imaturidade. Iniciativa é ter atitude de podar o mal no nascedouro.


A escala dos dedos da mão é injusta. Uns fazem da tripa coração. Quem cuidou num dia, noutro poderá ser cuidado. Mal se paga com bem. Conter a raiva, conter o ódio, conter a judiação, conter o vício pela máquina, conter impulso de revidar: eis o caminho a ser trilhado.


Hoje choveu quase nada. Não fez sol; tempo nublado. A senhora começou a falar e a interagir. Mingau de aveia, sucrilho e cerais processados alimentam. Nutrição enteral, antibióticos, fenitoína, metropolol, insulina, Donaren, Xarelto...


A medicina prolonga vida, drogando o indivíduo. Não há um dia em que eu não me fortaleça com orações e literatura. Música, última memória de quem tem Alzheimer. Fisioterapia, alongamento do corpo. Acredito na recuperação. O caminho se faz a duras penas. Ninguém é de ferro, mas há os arrogantes.


Água em pedra bruta, bate, bate e não fura. A música ao lado me enerva. Qualquer ruído me deixa desconfiada, após evento traumático. Denuncio em linhas delirantes. O analista do discurso compreende.


Há de cair um raio em outro lugar, se não me acovardar. Com as mãos atadas, amordaçada estou. Nada a fazer a não ser escrever, escrever em códigos, enquanto minha alma se dilui em dores, dores e dores. Não vou me recuperar nunca. Ei de vencer? Ela há de vencer?


Alfinetadas por todos os cantos. Infantilidade de quem tem cabeça de bagre. Jamanta não morreu. A bruxa solta no morro. Forasteiros dos infernos que não praticam amor ao próximo.


Amor é bálsamo contra males. Cuidado amoroso não se paga. Disseminaram o horror por nossas plagas. Arte em todos os cantos do quarto para espantar demônios. Ninguém é dono da verdade suprema. Bobo é quem revida ARROTOS e "pontos". Jamanta não morreu!


A serpente do mal mostrou sua cizânia. Boca maldita dissemina desavenças. A TO aliviaria o trauma. Sofri. Quem nunca passou pelo caminho do inferno?


Não há um dia em que eu não chore. Não há um dia em que eu não me fortaleço. Caio, mas me levanto, caio e levanto. Mataram pai, mãe e irmão. Caim matou Abel. Filha mata família inteira. Tempos difíceis. Que Deus jogue sua mão do alto.


Novo coronavírus à solta. Pragas e doenças urbanas. Chove no sudeste, e a televisão, tomada de enchentes, invade casas, alaga vias, surrupia vidas. Não fizeram o dever de casa. A culpa é do aquecimento global. A culpa é minha, sua, de beltrano e ciclano.


Não tenho indumentárias suficientes para a semana. Morte é libertação das dores, alívio absoluto. Não liguem aparelhos para prolongar minha vida, deixem os braços do Pai me carregar para o sono eterno. Insônia maldita me consome. Glândulas salivares em falência. Cansei de discutir. Amanhã retorno à labuta. Desconfio até da pedra. Está brabo!


Este ano é de eleições. Lá veem candidatos com promessas, cheios de caras de boas intenções. Quem não fez nada, promete tudo. Eleitor é bicho bobo. Voto em branco.


Suo de sol a sol. Suo de frio a frio. Deus está vendo tudo. Amanhã será outro dia. Sinceramente? O inferno é aqui. Mãe sempre cuidou de me avisar!

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