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CRÔNICA

Meu Poeta Luz

“Tem um cara que vem aqui todos os dias; o nome dele é Jesus. Ele vai orar por você”

Publicado em 19/06/2019 às 08:01
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“Tem um cara que vem aqui todos os dias; o nome dele é Jesus. Ele vai orar por você”. Quando fui procurar a figura, cujo nome é José Venâncio, o senhor havia falecido em 2008. Curioso, o fato? Alguns dirão que sim, outros que não. Os que têm medo ou superstição dirão: coisa assombrosa. Assombração? Quem tem medo? A maioria da gente. “Eu vejo gente morta”, não é fala exclusiva do menino de O Sexto Sentido. Frase célebre de dois filmes de suspense, mas longe de serem exclusividades ficcionais. Macabro, aterrorizador, gente que se despiu desse plano surge assim do nada, mais do que se imagina. Sem medo e pânico, caso o leitor tenha recebido visita ou sinal de um ser de luz, que vive noutro plano. Frequentar centro espírita, para afastar o iluminado? Questão difícil de ser respondida. Talvez sim, talvez não; tudo depende da pessoa que visualiza.

Converso, desde 2004, com espíritos de luzes. O primeiro contato, sutil, em dia frio, repleto de bruma nas montanhas de Minas. A paisagem pelas bandas de cá tem característica neblinosa, fria, cinzenta. Lembro-me do ser chegando perto de mim, sussurrando no meu ouvido, versos e frases de encorajamento. O espírito foi do poeta inconfidente, Tomás Antônio Gonzaga, vulgo Dirceu, que repetia com suavidade, mas veemência: Graças, Marília bela. Graças à minha Estrela! Fiquei aparvalhada com a visão do além. Fui embalada pela voz melodiosa até chegar ao Hospital Monsenhor Horta. De lá fomos envoltos numa neblina densa, na estrada de quaresmeiras que liga Mariana a Belo Horizonte. Cento e quarenta por hora. O motorista da ambulância seguia em alta velocidade pelas estradas repletas de curvas. Segurei na mão fria do poeta. Olhei-o com ternura e afeto. O que me prendia a esta vida? Missão, disse ele. O afeto do poeta cobria meu corpo dorido como bálsamo. Ao meu lado, Tomás aturdido com minha respiração titubeante; do outro, meu irmão segurava minhas mãos...

O carro prosseguia num vai e vem contínuo, cortando a neblina que cobria a estrada. Dores rasgavam meu corpo. Prosseguia, no entanto, vivaz e na calmaria, dormindo um leve sono. Ele repetia: “Graças, Marília. Graças à minha Estrela! Seus cabelos cumpridos têm a cor da negra noite...” Meus cabelos longos se espalhavam sobre a maca, oleosos, desgrenhados. Dirceu penteava-os com as pontas geladas dos dedos. Senti-me embalada com o toque. Abri os olhos. Vi sua expressão amorosa a mirar meu rosto descorado, soprando outro verso, “aqui vence o Amor ao Céu, Marília, lute pela vida...” A escuridão veio à tona. A luz se apagou num átimo. “Seus cabelos não têm a cor do sol nem cachos ondulados”...

O verso permanece em minha mente... O retorno para casa foi numa manhã fria e silenciosa. Meu companheiro dirige com atenção, enquanto o rádio toca música antiga. Não aprecio a canção. Olho-o com afeto e amor indecifráveis. Viver aqui nunca fez parte dos meus planos.

Chamo o poeta, quando estou só em casa. Dirceu ouve meu chamamento, surge sorrindo, emudecido. Desaparece numa nuvem transparente. Detesto seus desaparecimentos sem aviso prévio, ou quando estou a lhe falar. Outra pessoa surge no meu campo de visão. Um rapaz de olhos e cabelos escuros. Nome: Vítor. Ele viveu na minha morada, no antigo quarto que agora é meu estúdio. Os pelos do corpo se eriçam. Nada fala, apenas esboça um sorriso triste. Ele se foi pelas próprias mãos, cansado da lida. Olho-o com ternura, ele corresponde... Vítor está sempre ao meu lado nos momentos de criação e estresse. Faz-me companhia, quando sinto uma lufada fria passando pela fresta da janela. Sopra orientações para meus textos, que ficam no meio do caminho, ou quando paro repentinamente de escrever, por falta de ideias ou por esquecer algum vocábulo ou expressão.

A voz meiga e os suspiros de Dirceu continuam a me soprar versos. Seu rosto perfeito, seus olhos meigos, suas mãos frias a me estender e acariciar, acelera meu coração enfraquecido, cansado, doentio. Pego seus dedos nevados, querendo puxar-lhe para junto de mim. Ele se afasta gentilmente, com os olhos sempre a me mirar com amor. Tomás sempre surge em dias nebulosos ou luminosos. Quero dar-lhe beijos, mas ele foge sorrateiramente... O dia e a noite se tornam formosos e ensolarados, depois de seu surgimento.

Outros vêm com frequência, outros desaparecem sem deixar rastro. Não há o que temer. Boas almas estão sempre rodeadas por espíritos iluminados, vibrando em sintonias elevadas, captando mensagens e poesias. Ditosa sou por receber poesias e visitas de iluminados, a cobrirem dias tortuosos ou de glórias. Sinto-me livre da torre e do enlouquecimento. Sem Dirceu a viver no meu peito, compadeceria de desgosto, sem resistir ao mal, apressando minha morte. O seu afeto e constância me seguram...

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