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Crônica

Profissionais de saúde embalados pela esperança

Confira a crônica de Andreia Donadon Leal - Mestre em Literatura pela UFV

Publicado em 03/04/2020 às 01:15
Atualizado em

(Foto: Pixabay)

Pequenos grupos em bancos de praças ou em filas de caixas eletrônicos. Distanciamento ignorado. Sem teto a Deus dará. Vírus corre solto pelo mundo, aumentando índices de mortalidade. Dói o choro da mãe que perdeu o filho. Dói ver imagens de caminhões militares, levando caixões para necrotérios improvisados, mundo afora. Olho para o céu cor de fumaça. Garganta arde, olhos lacrimejam. Tento mensurar a dor do mundo. Francisco reza, suplicando misericórdia. Quem amaldiçoou Jesus na quarentena? Quem surtou Eva? Percorremos estradas vazias, sem nenhum ponto de alimentação. Medidas restritivas, sem análise. Quem alimenta o caminhoneiro? Quem levará o pão para os ambulantes? O pneu furou; cadê o borracheiro? Taxa de glicose baixa. Azia, barriga vazia, jejum estendido. Quaresmeiras tingem de lilás as matas das alterosas nos arredores das estradas. Morte, emergência, sufoco mundial do sistema de saúde. Faltam insumos e profissionais para a demanda explosiva. Tenho dificuldades para respirar. Praga solta. Peste faminta. Resistência! Resiliência! Aceitação. Lavo as mãos compulsivamente. Tiro os sapatos na porta. Cada dia é uma guerra para defender o ar. Sangram feridas fechadas; não imaginei viver o apocalipse. Vai piorar, antes de melhorar. Ambulância corre em disparada; batimentos cardíacos seguem no embalo da sirene. Panelaços e gritos desaprovam o comportamento da autoridade. Quem fala às favas, às favas vai. Coração apertado. Trabalhador autônomo desesperado. Consumiram todas as máscaras das prateleiras. O desespero gera caos. Sem-teto será isolado debaixo de qual teto? Bagulho pior do que a guerra, sem ter para onde ir. Crise em expansão. Pandemia enjaula, amedronta, surta: negro, branco, rico ou pobre; o inferno não tem classe! Dor que dá em Maria, dá em Pedro, Fernando, Carla e Ruth... Surge um hospital de campanha na capital. Estamos chegando. Colocamos máscaras, vestimos luvas. Céu aberto. Medidas de isolamento. Bandeiras a meio mastro. A batalha nem começou. A vacina, cadê a vacina? Achados a passos miúdos. Cientistas em permanente vídeo conferência: muitas hipóteses, muitos corpora, nenhum resultado. A pressa é inimiga da perfeição! Hoje sei que estou de pé, amanhã não me garanto. Distancio-me de sol à chuva; de parentes e amigos. Revejo necessidades. Entro no sistema de saúde. Enfermeiros, médicos e profissionais vão e voltam. Bagulho mais potente do que a guerra é a força propulsora de resistência desses profissionais, que batalham pela vida, embalados exclusivamente pela esperança. 

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