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CRÔNICA

Viajando nessa misteriosa fase da inexorável vida...

Confira a crônica de Andreia Donadon Leal, mestre em Literatura pela UFV

Publicado em 04/11/2019 às 23:50

Destino escorre das mãos, das pontas dos dedos e de todos os planejamentos. Sábio é aquele que sabe que o ponteiro do relógio do amanhã pode não virar. Certo feito o nascer do dia é a imprevisibilidade do próximo instante. Nada de chuva, sol quente ou esmaecido, nuvens cheias ou esparsas. Tempo abafado. Mosquitos voam de um lado para o outro, num zumbido monótono e irritante. Sinto mal-estar. Recebo mensagens no celular. Leio, calmamente. Luto. A finitude do corpo é sabida, mas nunca prevista. Bateu asas para o infinito, o estimado e carinhoso, Tio Augusto.  

 

Homem simpático, de fino trato, torcedor fervoroso do atlético; gente da mais alta estirpe da simplicidade. A seu jeito e a seu modo, viveu no aconchego dos cuidados impecáveis de sua esposa, Lalada. Companheira fiel na saúde, doença, felicidade, tristeza. Esposa da geração quase extinta na história do matrimônio. Homem de sorte foi tio Augusto. Meritoso na criação da prole, na forma de lutar diante dos infortúnios, com presença e participação de filhas, genros e netos. O caminho não foi fácil, mas os desígnios do Pai Eterno são para todos os seus filhos, cada qual com um destino a ser trilhado.  

 

Uns vivem mais, outros vivem menos, saudáveis ou adoentados; carma é carma. Eis o mistério da purificação de cada um, para alçar vôos até o indescritível.  

 

Tio Augusto cumpriu, com galhardia e brilhantismo, sua missão na vida terrena. Tivemos a oportunidade de conviver com esse ser de sorriso fácil, sincero, mas com características peculiares da família Ferreira... Fraterno tio Augusto, autor de ações generosas ao perambular pelo departamento financeiro onde trabalhávamos, deixava um pastel de queijo e copo de suco para esta que escreve o texto. Passava ligeiramente por alguns departamentos até chegar à sala de seu cunhado, que fumava um Plaza. Nem sei bem se ainda existe essa marca de cigarro, no mercado.  

 

O que importa era a broma nos intervalos do trabalho, suas conversas sobre assuntos diversos, que só os amigos sabiam do conteúdo de frases incompletas ou expressões folclóricas. Época boa, tempos felizes.  

 

Despir-se do invólucro carnal não é sofrimento para os que vão. Imagino um mergulho profundo em águas doces e mansas sem retorno; no sono calmo e espetacular para o infinito; no deslumbramento do Espírito, no vôo de lumes incandescentes de feixes de luzes imersos na alma, na libertação do inconsciente...  

 

Despir-se da casca deve ser o maior e mais importante pouso da vida, para o outro lado. A paz que nos aguarda é inesgotável, para os que lutaram de peito aberto, dia após dia, com todos os percalços e agruras da lida diária, aguardando o momento em que o Pai Eterno chama para essa viagem ao infinito. Nossa história será mantida na vida terrena, através de ações e exemplos extraordinários.  

 

Tio Augusto deixou um legado importante para esposa, filhas, genros, netos, parentes e amigos: o exemplo de viver o último sopro de vida, até que sua alma retornasse à eterna morada dos bons. Alegres a cirandar no espaço estelar estão: Tico, Didi e Augusto, tríade de homens guerreiros e corajosos. O destino escorre de nossas mãos para dar sua última entrada no outro lado da vida. O corpo físico é apenas casca de morada do espírito. Corpo descansado e espírito liberto de Tio Augusto, viajando nessa misteriosa fase da inexorável vida... 



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