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CRÔNICA

Indícios de machismo

Andreia Donadon Leal (Mestre em Literatura pela UFV)

Publicado em 01/10/2019 às 22:35

A lida diária de uma mulher no trânsito não é tarefa fácil; aliás, nunca foi, especialmente em atividades tradicionalmente executadas pelo sexo masculino. Não falo de empoderamento, mas de a mulher ocupar, com talento e brilhantismo, seu espaço na sociedade. Somos mais fortes! Esta assertiva sempre foi defendida por mãe. Nas dores, nos sentimentos, na viuvez, nas intempéries, nas dificuldades, na educação e na criação dos filhos, a mulher está há anos luz na frente dos homens. Ai deles se não fossem as mulheres... 

 

 Acredito que Adão foi tirado da costela de Eva e não ao contrário; sem blasfêmia, mas as escrituras sagradas erraram feio nesse quesito. Claro que foram escritas por homens... Essa versão da criação do mundo faz parte da história da humanidade; dessa feita, Eva foi complemento de Adão, que não suportaria viver só no paraíso. E não suportaria, mesmo! O livro foi escrito, por certo, por linhas tortas... Hoje se vê mais independência nas relações; casais vivendo em moradias ou camas separadas; dias marcados para saírem com os amigos, dias reservados para olhar os filhos; lavar, passar, limpar, cozinhar. Mesmo com o advento da modernidade nas relações, há casais que ainda defendem costumes herdados de pais e avós. Cada casal que se harmonize com sua forma de escolher viver, respeitando as opções dos outros.  

 

Aí, o discurso vira de cabeça pra baixo. Difícil viver sem julgar os outros; que infelicidade ficar criticando a forma de viver e conviver dos outros... Homens, ainda em largo número, usam discursos machistas para chamarem atenção de mulheres motoristas. Tive vontade de saltar na frente de um carro, outro dia. O trânsito ia de mal a pior. Ruas apertadas, carros enfileirados, quase nenhum lugar para estacionar; calor brabo, final de tarde. Crianças saíam das escolas, trabalhadores retornando para suas casas...  

 

Um mau motorista fecha uma mulher, tira a cabeça pra fora do carro, mandando-a dirigir um fogão. Mal disse o impropério, bateu o pneu no degrau do passeio. Que alegria! Deus está na velocidade do raio da tecnologia. Continuei minha caminhada de olho no tempo (podia chover ou não) e nos carros. Perdi a confiança de atravessar na faixa de pedestres. Vai que algum (a) estressado (a) não veja minha figura encolhida atravessar a rua? Não estou vendo guardas de trânsito por aqui.  

 

Hoje está um furdunço. Lixo espalhado no jardim e nas calçadas. Acredito que as latas de lixo tenham sido insuficientes. (Ou o povo está desatento?l) Também com tanta função a ser realizada no final de semana: responder os amigos virtuais, conversar com os presenciais, beber, comer, ouvir música, paquerar. Dois braços é pouco, talvez pudéssemos começar a pensar em criar tentáculos, para dar conta de tamanha demanda.  

 

Tudo é para antes de ontem. Mal posso esperar, mal posso ter um dedo de prosa, mal posso tirar os olhos do aparelho. Se eu estiver desconectado, estou perdido no fundo do poço, não sou ninguém, vejo nada, estou deletado do mundo. Não vejo o rapaz ou a moça do meu lado, nem as mulheres com seus tentáculos à solta. Não vejo Eva, que dirigia sem estresse e sem pressa pela cidade. Parou o carro ao ver meu pé querer encostar na faixa de pedestre, enquanto aquele machista imprudente quase bateu o carro em meu corpo. Os tempos mudaram, o machismo ainda ocupa largo espaço no interior e na capital; afinal, preconceito é sentimento que permanece vívido na cabeça dos que vivem a amargura de tempos idos... 

 


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