Portal da Cidade Mariana

Crônica

Intensivistas: texto de Andreia Donadon Leal sobre a pandemia

Sobre as vidas perdidas, o trabalho intenso dos professores e profissionais da saúde, a vida dentro de casa e as preocupações.

Publicado em 11/04/2021 às 21:43

Imagem ilustrativa (Foto: Freepik)

Estava a fim de discorrer sobre assunto polêmico. Nada de política. Quanta toxicidade traz a política. Morte bate o recorde; todos os dias enterramos conhecidos, parentes e amigos, vítimas da COVID-19, ou da impossibilidade de atendimento aos que recorrem a hospitais com outras comorbidades e por acidentes. Que lástima, que dor, que sofrimento, que loucura de trabalho exorbitante e exaustivo dos profissionais da saúde.

Enclausuro-me nas folhas de chá de erva-cidreira e maracujá, para me libertar da clausura e tristeza. O outono passa em bailados de folhas caídas no chão. Preparo-me para aconchegá-lo no quintal. O tempo voa feito trem bala, soprando milhares de flores e folhas pelas avenidas e ruas estreitas.

Caminhei até o jardim de casa e vi minhas hortênsias secas, desidratadas, aparentemente mortas, aparentemente. A vida tem seus motivos, flores, espinhos e ciclos gloriosos. Ontem eu andava a mil por hora; hoje a cinquenta, num ritmo desacelerado, quase pasmacento. Dias de tédio, decepções e frascos de alegria. Que bailado ritmado de cigarras no ar.

Os dias têm sido de algazarra de crianças, brincando nos terreiros de suas casas. Os dias têm sido de barulho de carros e ambulâncias na rodovia. Os dias têm sido de pequenos passos para sair da amargura e do desiquilíbrio. Os dias têm sido de oração “pai nosso: seja feita a vossa vontade lá da Casa de Cima”. Aqui, na Casa de Baixo: pandemônio dos infernos (que redundância)!

Os dias têm sido de viagens dentro de casa, nas páginas de livros e obras de arte. Os dias têm sido de recaídas, mas também de reerguimentos. Os dias têm sido de receber um punhado de chamadas de vídeos, mensagens virtuais com queixumes, incertezas, desânimos e compartilhamentos de alegrias e amarguras.

Professor é intensivista feito profissional da saúde. Entram na rede, criam jogos e atividades; participam de reuniões, cursos, convocações; atendem chamadas de vídeos, criam aulas criativas para o ambiente virtual; respondem mensagens na rede; corrigem trabalhos, provas, cadernos pedagógicos; atendem telefonemas, conversam com pai, mãe, aluno, irmão, família, chefia; marido, mulher, filho, pai, mãe, vizinho... Trabalha vinte e quatro horas, sete dias na semana. Fazem das tripas coração pelo ensino remoto. Deus os livre e guarde de entrar em colapso!

Os dias têm sido de preocupação com o outro dia. Quase todos os dias têm sido de impaciência e brigas ferrenhas na rede virtual. Quanta desavença por partidos políticos e políticos indefensáveis. O dia foi de pouca correria na via, hoje. Ninguém ultrapassa ninguém, como de costume, carretas e carros. Ninguém ultrapassa nem em pista dupla. Velocidade sem sofrimento da passageira com o motorista. Mas em se tratando de rodovia e carros, há que ser além de um mero motorista experiente. Tem que ter visão 360º, para se evitar pequenas e grandes colisões. Acidentes acontecem com pequenas distrações. Seguro morreu sem aviso prévio.

Quase morro do coração ao deparar-me com obras de arte na clínica. Pinturas coloridas, traços grossos, generosos, precisos e modernos compunham todas as paredes. Sentei-me no sofá retrô. A consulta do antecessor poderia demorar uma hora ou mais, que eu não me importaria. Mal deu tempo de eu visualizar todas as telas, que compunham aquele espaço generoso. Depois da consulta, nenhum tempo para revisitar a exposição; tempo para esparramar meus olhares nas telas? Luxo. Voltei meu pensamento nos plantonistas e na corrida desenfreada e exaustiva pela vida. Intensivistas. Pensei nos profissionais da saúde e nos professores. De leito em leito, de aluno a aluno, de lá pra cá em ritmo de trem bala. Intensivistas. Sinceramente, não tenho vocábulo para descrevê-los, a não ser, intensivistas.

Ontem eu estava num ritmo a mil por hora; hoje estou a cinquenta, e foi o suficiente para aconchegar aquelas telas na minha mente. Hoje estou a cinquenta por hora, mesmo se o tempo correr demais, mesmo que ele tenha soprado milhares de flores e folhas pelas avenidas e ruas afora sem eu ter tempo. Hoje, especialmente hoje, é dia de louvar e agradecer os intensivistas velozes feito guepardos...


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