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Entrevista

Sete dos 15 vereadores eleitos de Mariana se autodeclararam negros

O Portal da Cidade Mariana conversou com a integrante do Movimento Negro de Mariana, Adelina Nunes, sobre a representatividade negra no Poder Legislativo

Publicado em 22/12/2020 às 04:30
Atualizado em

Sete dos 15 vereadores eleitos de Mariana se autodeclararam como negros. (Foto: Portal da Cidade Mariana)

No próximo dia 01 de janeiro de 2021, serão empossados os 15 parlamentares eleitos em Mariana para a legislatura de 2021-2024. Neste ano, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dos 203 candidatos marianenses ao cargo de vereador, dois se autodeclararam amarelos, 46 pretos, 65 brancos e 87 pardos. Além disso, outras três pessoas não declararam informações sobre cor/raça. Dentre eles, se elegeram sete que se autodeclaram brancos, seis pardos, um preto e um que não informou sobre cor/raça.

No Brasil, nas últimas eleições municipais, o Brasil teve a maior proporção e número de candidatos negros desde 2014, ano em que o TSE passou a coletar dados sobre raça dos postulantes a cargos públicos. Segundo dados do TSE, em 2020, 51% de todos os concorrentes ao cargo de vereador se autodeclararam negros que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é o grupo racial formado por pretos e pardos.

Entretanto, a cartilha “Candidaturas Negras 2020”, publicada pelo Nosso Coletivo Negro do Distrito Federal, faz uma ressalva: “por pressão, estratégia ou, simplesmente, má índole dos Partidos Políticos, alguns candidatos que não são negros se autodeclaram como 'pardos'. Isso acontece porque partidos políticos querem aumentar sua 'diversidade' estatística, demonstrar alguma inclusão social para o público e, principalmente, desejam mostrar que alcançam os mais vulneráveis e empobrecidos, em sua maioria composta por pessoas pretas e pardas”.

Apesar disso, somente 44,7% dos vereadores eleitos em todo o Brasil são negros, enquanto os brancos somam 53,5%. Para a cartilha “Candidaturas Negras 2020”, é “importante ter parlamentares negros porque existem pessoas negras qualificadas para essa posição. E porque nós devemos ser porta-vozes de nós mesmos e nossas comunidades. Porém, não basta ser negro ou negra. É importante que essa candidatura contenha projetos que efetivamente melhorem a vida de pessoas negras”

Entretanto, o documento ressalta sobre os efeitos do racismo na política brasileira, como por meio da divisão desigual de recursos financeiros. Vale lembrar que neste ano passou a valer a divisão proporcional de recursos e propaganda eleitoral entre candidatos negros e brancos.

Diante disso, o Portal da Cidade Mariana conversou com a psicóloga e integrante do Movimento Negro de Mariana, Adelina Nunes, sobre a representatividade negra na Câmara Municipal de Mariana.


Portal da Cidade Mariana: De qual forma a representatividade da população negra é observada ou não na Câmara de Mariana? Quais avanços precisam ser feitos?

Adelina Nunes: O Movimento Negro Mariana é um coletivo de articulação recente na cidade, mas que reúne pessoas e grupos com uma trajetória de décadas de lutas e valorização da cultura negra em Mariana. Nosso objetivo inicial foi justamente unificar diferentes grupos e fortalecer as reivindicações das demandas da população negra. A representatividade é uma delas, e começa com a interrogação do porquê de nós, negros e negras, sermos a maioria na cidade, segundo o Censo de 2010, somos 67% da população, mas não estarmos na mesma proporção nos cargos de poder.

Não estamos no legislativo, no executivo ou no primeiro escalão do governo. Nessas representações não nos interessa apenas a cor da pele. Na complexidade do racismo brasileiro, o “mito da democracia racial”, precisamos de que as pessoas negras presentes nesses espaços sejam alinhadas com a desconstrução do racismo, cientes das suas diferentes manifestações (interpessoal, institucional e estrutural) e atuando em prol de políticas públicas de qualidade, buscando investimentos e leis que interrompam os ciclos de exclusão e pobreza do nosso povo.


PCM: Qual é a importância de termos pessoas negras ocupando cargos de poder, especialmente, no Legislativo Municipal? E como o racismo é observado nesses locais? 

Adelina Nunes: Essa questão para mim só faz sentido ser respondida à luz da compreensão de que somos uma sociedade racista. Essa ideologia em que se atribui superioridade às pessoas brancas e inferioridade a quem não é branco vem organizando o Brasil desde a invasão dos portugueses, o que reproduziu tantas vezes genocídios dos/das indígenas. É o que sustenta vivermos em um país em que morrem Igors Mendes, Aghátas Felix, João Albertos e mata-se Marielles. Sem solidariedade com a vida, corpos negros são alvos vivos da violência policial, da precarização da educação e do subfinanciamento do SUS, etc.

Somos também alvos do racismo ambiental como é identificado no crime/tragédia do Rompimento da Barragem de Fundão. Quanto mais diretamente afetadas, mais negras são as comunidades. Dados como estes mostram que temos vidas que recebem olhares e valores diferentes. Quando o estado é conivente com essa realidade, descomprometido com a criação de políticas municipais que interrompam esse ciclo (saneamento básico, habitação, emprego, educação, etc.) tais condições agravam os processos de exclusão e desigualdade, causando sofrimento e adoecimento.

Termos pessoas negras, mulheres e ou LGBTQIA+, é uma forma de garantir pluralidade nas pautas que tratadas, garantindo que nossas vidas não sejam mais decididas por brancos, herdeiros (simbólicos e materialmente) do passado escravocrata, comprometidos com os valores e ideais de seu grupo. 


PCM: Dos vereadores eleitos em Mariana, sete se autodeclararam brancos, seis pardos, um preto e um não informou. Para o coletivo, o que esses números representam ou não de forma efetiva? O que pode-se esperar para o próximo mandato em relação às pautas raciais na Câmara de Mariana?

Adelina Nunes: Nós lamentamos muito os resultados das urnas. É inadmissível pensarmos em um espaço político importante e estratégico como a Câmara se sustentar de maneira tão homogênea. Estamos cansadas e cansados de uma história única. Vimos neste pleito muitas contradições acerca da autodeclaração racial, que aí tem diferenças com identificações, um debate que demandaria mais tempo e que precisa levar em consideração a discussão do fenótipo.

Para a questão central colocada, reforçar que o pertencimento racial não pressupõe a existência de um debate político antirracista do/da/de vereador. Os/as vereadores, e demais ocupantes de cargos de decisão precisam se perguntar se as escolhas que têm sido tomadas, nesta Casa de Lei, são capazes de criar fissuras no racismo estrutural, se estão em diálogo com a necessidade da população negra, e com as reivindicações dos movimentos sociais. 

Posso dizer o que os vereadores e a vereadora podem esperar de nós, afinal, não temos a possibilidade de não lutar politicamente, né? “É nós por nós”. Temos nos aproximado do Conselho de Promoção da Igualdade Racial (COMPIR), que hoje é o conselho que sustenta esse debate mais diretamente no município. Vamos cobrar diagnósticos municipais que exponham a condição de vida das nossas famílias negras, atendidas pelo SUAS, SUS, Políticas de Habitação e Cultura. Na educação, vamos continuar cobrando também o ensino da história e cultura e afrobrasileira em todas as escolas (inclusive na rede privada). Entendemos que o racismo é uma questão com a qual toda sociedade deve se haver. É uma invenção do branco, né? Queremos construir possibilidades de bem viver para nossa comunidade negra na cidade, nas periferias e distritos. Sem um Legislativo e Executivo comprometido com isso, nosso desafio é ainda maior. 


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