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Reportagem especial

População sofre devido ao descomissionamento da Barragem Doutor

Moradores de Antônio Pereira e da Vila Samarco sofrem com o descaso da Vale e buscam por respostas

Publicado em 13/12/2020 às 02:12
Atualizado em

Moradores realizaram uma manifestação pacífica na última quinta-feira (11). (Foto: Arquivo Welligton Thiago)

Os moradores de Antônio Pereira e da Vila Antônio Pereira, mais conhecida como Vila Samarco, têm sofrido com o descaso por parte da Vale devido às obras de descomissionamento e descaracterização da Barragem Doutor, localizada no distrito de Ouro Preto, iniciadas em fevereiro deste ano. Até o momento, 148 famílias precisaram deixar as suas casas e dois clubes foram fechados. Além disso, o Colégio Renascer corre o risco de encerrar suas atividades devido aos impactos causados pela realocação das pessoas.

Manifestação

Na última quinta-feira (10), cerca de 50 pessoas participaram de uma manifestação pacífica na BR-126, que dá acesso à Mina de Timbopeba, para cobrar respostas da mineradora sobre a situação da Barragem Doutor. O protesto iniciou-se às 4h30 e durou cerca de quatro horas, terminando às 8h30.  

Foto: Arquivo Nádia Avelar

Os manifestantes esperavam que representantes da Vale comparecessem ao local para dialogar, no entanto, isso não aconteceu. “Os moradores estão sem clube e sem escola. A empresa fechou tudo sem dar respostas sobre as condições da barragem”, indigna-se Nádia Avelar, residente na Vila Samarco, e que esteve presente no ato.

Segundo Nádia, a sua casa não se encontra na mancha de inundação, que conforme comunicou a empresa no dia 13 de agosto, teve a sua Zona de Autossalvamento (ZAS) ampliada. Entretanto, como ressalta a moradora, “em contrapartida a mancha é viva”. “Infelizmente, não temos certeza de nada. Perdemos a escola, o clube e os nossos vizinhos [estão] sendo removidos e muitos ficando sem a menor estrutura”, desabafa. 


Escola corre o risco de fechar

O direito à educação é garantido pela Constituição Federal Brasileira de 1988, entretanto, os moradores de Antônio Pereira têm observado esse direito ser ameaçado. Isso porque devido às obras de descaracterização da Barragem Doutor e a remoção dos residentes nas ZAS, o Colégio Renascer corre o risco de encerrar suas atividades neste ano.



Colégio Renascer. Foto: Arquivo pessoal de Jandimare Matos


A escola foi fundada, em 2016, após o fechamento do antigo Colégio Arquidiocesano, na Vila Samarco. Segundo Jandimare Fernandes Matos, vice-diretora do Colégio Renascer, à época, o motivo do encerramento das atividades do Arquidiocesano foi a não renovação do contrato que tinha com a Samarco, já que a empresa mineradora havia parado as suas atividades na região por causa do rompimento da barragem de Fundão, 05 em novembro de 2015. “O colégio sem o apoio financeiro decidiu fechar as portas porque achavam que financeiramente não conseguiriam [se manter]. E realmente não é fácil!”, afirma Jandimare que é uma das sócias-proprietárias do Colégio Renascer.

Segundo ela, ao longo destes quatros anos, muitos dos antigos estudantes do Colégio Arquidiocesano, além dos professores, permaneceram matriculados no Colégio Renascer o que possibilitou manter uma média de 150 a 160 alunos durante este período. No entanto, em 2020, a realidade não se manteve na escola que atende às turmas desde o maternal até o 9º ano do Ensino Fundamental.

“O colégio Renascer teve um decréscimo de procura muito grande, do ano passado para este ano, de alunos de Mariana, e tivemos uma perda já de alunos que não rematricularam devido à situação da barragem. Todos eles justificaram essa situação do descomissionamento, das estradas mais cheias e do medo mesmo. Agora, nós temos um número razoável de alunos, porém, eles estão on-line, por isso que eles continuam conosco. Nossos alunos moravam nas zonas de autossalvamento e hoje se mudaram para outras cidades como Ouro Preto, Santa Bárbara e João Monlevade. Então, possivelmente, quando as aulas presenciais voltarem, eles não vão estar mais conosco”, explica a vice-diretora.

Foto: Arquivo Jandimare Matos

A escola não está localizada na ZAS, mas os impactos sofridos são muitos. De acordo com Jandimare, em uma pesquisa interna sobre a intenção de matrícula para 2021, somente 78 alunos sinalizaram interesse de continuar a estudar na instituição. “O Colégio Renascer não está na zona de autosalvamente, porém muitos dos nossos alunos estavam. O colégio sofre um impacto muito grande porque as pessoas estão com muito medo de morar ou deixar os filhos estudarem próximo a uma barragem e, principalmente, porque eles precisam passar por uma estrada que está na ZAS. Então, com esse número que vai continuar no próximo ano, a gente não consegue manter a escola, a não ser que a gente tenha algum apoio”, relata.

O apoio esperado para que a escola continue as suas atividades é da Vale, empresa proprietária da Barragem Doutor. Conforme Jandimare, há cerca de um ano e dois meses, a escola e a empresa estão construindo juntos um projeto social compensatório em que a mineradora iria apadrinhar cerca de 75 estudantes no distrito. “Porém, ainda não temos retorno sobre esse projeto, nem positivo, nem negativo”, conta.

Questionada pelo Portal da Cidade Mariana sobre a situação do Colégio Renascer, a Vale disse por meio de nota que “mantém diálogo frequente com a sociedade buscando a melhor solução conjunta. Os pleitos apresentados, devido aos impactos causados pela elevação de nível da barragem Doutor, estão sendo analisados pela empresa para buscar reparação integral dos atingidos”.

Diante às incertezas, todos os 30 colaboradores da instituição estão em aviso prévio desde o dia 20 de novembro até 18 de dezembro. “Se não tivermos nenhum retorno positivo em relação a esse projeto ou alguma outra coisa, nós realmente vamos ter fechar as portas no ano de 2021”, afirma a vice-diretora.


“A nossa Vila vem sofrendo muitos impactos!”

“A nossa Vila vem sofrendo muitos impactos!”, resume Jandimare diante a todos os problemas ocasionados pela Vale nas comunidades de Antônio Pereira e Vila Samarco. Além da realocação de 148 famílias e o risco de fechamento da escola, as comunidades também estão sem os dois clubes.

Foto: Reprodução das redes sociais

Em comunicado publicado nas redes sociais no dia 03 de dezembro, o clube Samísia informou que a Defesa Civil interditou “temporariamente” as atividades no local por estar na ZAS. Na próxima terça-feira (15), às 19h, acontecerá na quadra do Colégio Renascer uma reunião com os seus sócios e formar uma comissão para deliberar sobre as medidas compensatórias. 

“Eles estão nos obrigando a viver em subcondições, sendo que a gente não causou isso. Eles construíram barragem em cima da gente. A gente não foi construir casas debaixo de barragem! E não se tem um posicionamento correto para a população do que será feito. Tem muito mais gente transitando naquela área de autossalvamento, que é a BR que leva até às mineradoras, do que dentro da própria vila, e a BR continua funcionando. E a gente está dentro da Vila sem clube, sem escola, sem nada”, enfatiza Nádia.

“Semana passada o clube, semana que vem se não der certo a escola. É muito impacto! Uma vila, uma comunidade sem escola e sem lazer, realmente, fica inviável para as pessoas”, desabafa Jandimare.


Entenda o caso


Localização da Barragem do Doutor. Foto: Reprodução Google Maps


A Barragem Doutor está localizada na Mina Timbopeba e tem capacidade para 35 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração. Em fevereiro de 2020, a Vale anunciou que daria início, em março, ao processo de plano de descaracterização da barragem. Por essa razão, como medida de segurança, iria realocar temporariamente, 73 famílias residentes à jusante da estrutura e cerca de 160 animais.

À época, a barragem estava no nível 1 do Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM) e não recebia rejeitos desde março de 2019. Entretanto, em abril, a barragem foi classificada como no nível 02 de emergência do PAEBM.

Já em agosto, a empresa comunicou que sobre a ampliação da ZAS da barragem quando passou a considerar a “hipótese de 100% do carreamento de rejeitos da barragem Doutor”, informou por nota na ocasião. Por essa razão, outras 75 famílias, residentes nas comunidades de Antônio Pereira e Vila Antônio Pereira, foram também realocadas.


Descomissionamento x descaracterização

De acordo com a Resolução nº 04/2019, da Agência Nacional de Mineração, uma barragem de mineração em processo de fechamento ou descomissionamento é aquela “estrutura criada com a finalidade de contenção de sedimentos ou rejeitos, que não mais os recebe, mas ainda mantém características de barragem de mineração, considerando a paralisação das atividades operacionais da barragem que entra em processo de fechamento definitivo, sem a emissão de efluentes para a barragem e o material já depositado permanece no reservatório”.

A mesma resolução também afirma que uma barragem descaracterizada é “aquela que não opera como estrutura de contenção de sedimentos ou rejeitos, não possuindo mais características de barragem de mineração, sendo destinada à outra finalidade, considerando a retirada de todo o material depositado na barragem, incluindo diques e maciços onde a barragem deixa de existir no final do processo”.


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