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Opinião

O que podemos aprender com a morte de Tiradentes?

Prema Hari é marianense e graduado em História pela Universidade Federal de Ouro Preto. Atualmente é professor na rede pública estadual de Belo Horizonte

Publicado em 21/04/2019 às 07:50
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(Foto: Lanna Tourinho)

Acredito que, como todo professor de História, passo por certa angústia: praticamente quase todos os dias, principalmente os alunos mais novos, fazem perguntas como “Por que serve estudarmos História?”, “Pra que serve estudar o passado se ele já passou?”. Sinto que todos que escolheram esse curso para sua graduação sabem a resposta, porém tem dificuldade de elaborar uma reposta convincente, prática e objetiva. Existe aquela frase pronta “Aprender com o passado para poder interferir no presente e, assim, termos um futuro melhor.” Talvez tal afirmação não seja tão desprezível, mas acredito que a partir dela surgiram novas perguntas como: “Mas e como isso funciona?” E daí vai ficando mais difícil de responder, pois fica difícil argumentar sobre frases prontas. Eu prefiro pensar a História como se ela fosse psicanalista de uma sociedade (claro que não falo isso para os alunos), onde seus cidadãos devem se debruçar, olhar para o que aconteceu, encarar suas qualidades, defeitos, o que lhe está fazendo bem ou mal e tentar se resolver.

O problema é que os brasileiros, como povo, estão tendo dificuldade de deitar nesse divã da História, encarar a si mesmos enquanto sociedade e admitir que muitos dos mitos que acreditamos são mentiras, como o fato de sermos cordiais e pacifistas, de vivermos em uma democracia racial com respeito à grande pluralidade religiosa. E enquanto não resolvermos esses problemas históricos com nós mesmos, não vamos conseguir progredir enquanto nação. Também podemos retomar outras máximas, como “historia magistra vitae” (História, professora da vida) do filósofo romano Sêneca e “é errando que se aprende” do senso comum popular (será que senso comum é sempre ruim?). A partir daí podemos nos perguntar: O que a história da morte de Tiradentes, pode nos ensinar?

Na História sabe-se que as perguntas que direcionamos ao passado não fariam sentido na época da qual questionamos. Assim, para muitas pessoas que viviam nas Minas Gerais de Tiradentes, possivelmente não faria muito sentido fazer a pergunta que vou fazer agora, porque elas saberiam a resposta ou mesmo estariam condicionadas e nem se preocupariam em se questionarem, “Por que dentre os envolvidos na Inconfidência Mineira, Tiradentes foi o único que foi condenado à morte?” Da mesma maneira que muitas vezes, muitos de nós não nos questionamos a respeito do fato do Exército acertar 80 tiros em um carro de um pai de família inocente e de pele negra, ou como em 2015, quando cinco adolescentes negros saíram de carro para comemorar o primeiro emprego e todos foram mortos pela polícia, ou mesmo, o filho do cantor Gilberto Gil que na década de 80, perseguido pela polícia, bateu o carro e morreu. Podemos citar também o assassinato do garoto Igor em Ouro Preto, pouco tempo atrás. Daí nos revoltamos com a prisão de um humorista branco, por injúria e difamação (não que concorde com isso).

Podemos encontrar as raízes desta reação indiferente à mortes de negros pobres nas mesmas das reações da população que observou a morte de Tiradentes. Primeiramente, temos que saber quem foi Tiradentes. De família sem grande importância, Joaquim José da Silva Xavier era o mais simples entre os envolvidos, o único que não havia estudado em Coimbra. Muito diferente da imagem republicana de líder parecido com Jesus que mostra a estátua da Praça que leva seu apelido e de uma explicação para uma criança que ouvi feita por um médico na cidade Tiradentes, que vive do turismo elitista, que dizia que ele era líder da união da classe médica contra a tirania portuguesa. Não, ele não era o líder e não foi por isso que morreu. Também não acredito na versão de historiadores que dizem que ele morreu porque não pediu perdão. Acredito que seja o único que tenha morrido, pelo mesmo motivo que muitos pobres morrem no Brasil, o discurso de senso comum de criminalização da pobreza. Um exemplo precisava ser dado e ele era o mais pobre e desimportante entre todos. Basta observar o movimento similar ocorrido pouco tempo depois na Bahia, composto por pobres de maioria negra e mestiça, onde todos envolvidos foram condenados à morte. Daí já podemos notar um discurso de criminalização da pobreza, principalmente na figura do negro.

Tal discurso está tão enraizado em nossa cultura que crimes relacionados à riqueza, como sonegação de impostos, não nos parece greve. Achamos normal acorrentarem um homem negro a um poste por lhe acusarem de ladrão, mas não nos revoltamos quando um jogador de futebol ganha perdão de 20 milhões em dívidas de sonegação, ou quando um helicóptero de político é pego com meia tonelada de cocaína e até mesmo, outro em áudio, manda matar. Basta olharmos quem está preso no Brasil, a maioria maçante composta por negros. Quantos brancos? Quantos ricos? Quantos de famílias importantes? Assim chegamos à conclusão ao refletirmos sobre a morte de Tiradentes: não temos apreendido muito com a História, pois o antigo discurso de criminalização da pobreza, que não deixa de ser racial, continua matando e prendendo pessoas inocentes e deixando livres grandes criminosos.

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