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Enforcamento

PC investiga circunstâncias da morte de aluno da UFOP em cela de delegacia

Charles Wallace dos Reis, de 23 anos, teria se enforcado na unidade policial usando um cordão de uma caneca; UFOP cobra "apuração rigorosa".

Publicado em 25/08/2022 às 11:03
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Charles Reis era estudante de história da universidade, que cobra uma apuração rígida sobre a morte sob a tutela do Estado (Foto: ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO)

A Polícia Civil abriu inquérito para investigar as circunstâncias da morte de um estudante da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), dentro de uma cela na delegacia da cidade na madrugada do último domingo (21).

Charles Wallace dos Reis, de 23 anos, jovem negro, gay e militante de movimentos sociais, cursava história na instituição e foi detido pela Polícia Militar (PM) após uma briga com o namorado durante uma festa. Na unidade policial, segundo o boletim de ocorrência, ele teria se enforcado usando um tirante (cordão) de uma caneca.

A Polícia Civil informou, por nota, que a perícia da instituição esteve no local e fez os levantamentos iniciais que irão "subsidiar a investigação". "O corpo foi encaminhado ao Posto Médico-Legal, onde foi submetido a exames. Um inquérito foi instaurado para apurar a causa e circunstâncias da morte. A PCMG aguarda a conclusão dos laudos, cujo prazo estimado é de até 30 dias, podendo variar conforme a complexidade dos exames", completa.

Conforme a PM, a primeira ocorrência envolvendo o jovem começou ainda na noite de sábado (20), depois que ele e o namorado começaram a se agredir em um evento na cidade de Mariana, por conta de ciúmes. Depois dos militares conversarem com eles, Reis afirmou que iria embora e o companheiro preferiu não representar contra ele.

Entretanto, horas depois, o universitário teria retornado à casa onde acontecia a festa, descontrolado, e forçando a porta do imóvel, levando os moradores a acionarem a polícia novamente. O jovem foi abordado, teria se recusado a colocar a mão na cabeça e acabou sendo contido com uso de força, ainda na versão da PM. 

Foi então que Reis e o namorado acabaram sendo levados, primeiramente para a UPA da cidade. Lá, o rapaz teria chegado a ameaçar o militar, falando que seria "a última pessoa que ele iria prender". Depois disso, o casal foi então levado para a delegacia, onde, horas depois, ele acabou sendo achado morto. 


"Faltou humanidade e empatia", diz conhecida do jovem

Em entrevista sob anonimato à reportagem, uma pessoa próxima de Reis, que acompanhou a prisão, contou que ele estava embriagado quando se envolveu na briga. "Ele ficou agressivo e preferimos chamar a polícia. Lá, na delegacia, ficamos na portaria e ele foi levado algemado para a cela, onde tiraram a algema e o trancaram, mas não tiraram nada dele, o cordão, os brincos ou os sapatos. Ele pediu pra fumar, pois acalmava ele, mas tomaram o celular e o cigarro. Faltou humanidade e empatia", disse.

Entretanto, ainda segundo a conhecida, o tirante supostamente usado no suicídio não esteve com o jovem o tempo todo. "No caminho para Ouro Preto esse cordão estava na parte da frente da viatura, com os policiais. Quando descemos do carro, vi o tirante cair no chão, mas o policial pegou e pôs no bolso do Charles", lembra. "Não sei se ele esqueceu de pegar quando o colocou na cela ou o que, mas não deveriam deixar ele entrar lá com nada. Quando soubemos da morte, a gente só chorava, não queríamos acreditar, pois ele não faria uma coisa dessas. Não pudemos nem ir no velório dele, pois ficamos na delegacia", continuou.

O diretor do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da UFOP e professor do Departamento de História da universidade, Mateus Henrique de Faria Pereira, contou que conhecia Reis desde quando ele era estudante do serviço social e, depois, quando se tornou aluno do instituto.

"Só soube que teria se matado na segunda-feira (22) e, depois, descobrimos que isso aconteceu sob a tutela do Estado. Para nós, que somos professores de história, imediatamente nos vêm na lembrança a morte de Vladmir Herzog", diz. 

"Tudo precisa ser apurado já que pairam muitas dúvidas, como se ele sofreu violência policial, como entrou com o tirante na cela e se isso seria o suficiente para cometer o autoextermínio. Mas, de toda forma, parece que há algum tipo de negligência. Precisamos saber se ele foi estimulado a alguma ação, se sofreu alguma ação. Temos os agravantes de ele ser um jovem gay, negro e comunista. Ele tinha uma tatuagem da foice e o martelo no corpo. Então, a gente espera que seja esclarecido. Foi muito difícil conversar com a família, que está arrasada", lembra o professor.

UFOP cobra apuração rígida

A reitoria da UFOP enviou um ofício às autoridades solicitando informações sobre a morte do estudante e, ainda segundo Pereira, a família do jovem foi aconselhada a acionar a OAB de Ouro Preto. "A comissão de Direitos Humanos da ALMG também está acompanhando o caso a nosso pedido", lembra o diretor do ICHS.

Além disso, por meio de uma nota, a UFOP também cobrou uma "apuração rígida" do caso. Confira o texto na íntegra: 

"É com pesar que a Universidade Federal de Ouro Preto comunica o falecimento de Charles Wallace dos Reis, aluno do curso de História.

Charles faleceu neste domingo (21), em Ouro Preto, em circunstância ainda não esclarecida. A Administração Central está solicitando mais informações sobre o ocorrido, assim como uma apuração rigorosa para que não haja dúvidas sobre os fatos.

A comunidade acadêmica se solidariza com familiares e amigos"


Também por nota, o ICHS lamentou a perda:

"É com extremo pesar e luto que comunicamos a perda de nosso querido aluno Charles Wallace dos Reis. Neste momento de dor, em que buscamos entender ainda o que aconteceu, o ICHS manifesta solidariedade aos familiares, aos amigos mais próximos que com ele conviviam na República Cangaço e, também, aos alunos do Instituto, expressando as mais sinceras condolências. Que possamos nos restabelecer da dor e, juntos, nos fortalecer".

“Justiça por Charles”

Outra das manifestações acerca do caso partiu do Centro Acadêmico de História da Universidade Federal de Ouro Preto (Cahis), que, em nota, prestou condolências, mas também cobrou explicações e “justiça por Charles”. No texto, o Cahis ainda afirma que repudia “qualquer atitude racista e homofóbica que pode ter conduzido a situação da maneira em que se deu”.

‘A gente precisa cobrar das autoridades que elas façam uma investigação mais apurada. Quem garante que foi um suicídio? Temos acolhido familiares e a república onde Charles morava e pretendemos levar as lutas e pautas de Charles adiante. Ele era do Cahis. É algo muito triste.’

O CA ainda criticou o abuso policial recorrente no Brasil.

‘Sempre que vemos notícias de jovens que morrem pela PM ficamos revoltados e tudo mais, mas assim, quando acontece com um dos nossos a gente vê muito mais nitidamente o tamanho e a gravidade desse problema. Pode sim existir racismo e homofobia incluídos. A gente vive no Brasil, é muito preconceituoso. A questão é o abuso de poder. Sob tutela deles o corpo aparece morto? As coisas estão muito confusas. A gente não sabe o que aconteceu dali pra dentro’


Leia a nota do Cahis, na íntegra:

'Primeiramente, diante do falecimento de nosso querido amigo Charles Wallace Dos Reis Aguiar, gostaríamos de desejar nossos sentimentos à família e à República Cangaço.

O CAHIS (Centro Acadêmico de História), a UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto), o movimento político e a educação brasileira perdem uma pessoa de muita força e coragem, que não se calava diante das injustiças e que tinha pela frente um futuro de muitas conquistas.

Charles dava a vida pelas causas e vivia por elas, para honrar sua enorme força e coragem, levaremos suas lutas adiante. Sempre foi quem era, pura e verdadeiramente; cheio de vida, de um carisma e caráter admiráveis. Nunca deixou de acreditar e lutar pelo que lhe cabia.

Nós exigimos justiça por Charles! Exigimos que o caso seja investigado a fundo e melhor esclarecido; não aceitaremos sermos reprimidos pela Polícia Militar, pela força que deveria nos proteger.

Repudiamos qualquer atitude racista e homofóbica que pode ter conduzido a situação da maneira em que se deu. Em um mundo onde ser preto, gay e politizado é o mesmo que segurar um alvo, viver é um ato de insurreição.

Charles, presente!

“A liberdade é a possibilidade de ser feliz sem medo” - Odo Marquand.'

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