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AÇÃO

Desastre de Mariana: entenda como os rejeitos são tratados na região afetada

Com Plano de Manejo de Rejeitos, especialistas da Fundação Renova adotam estratégias de menor impacto socioambiental durante fase de recuperação

Publicado em 18/10/2019 às 00:38

Em novembro de 2015, 43,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos vazavam da Barragem de Fundão, que se rompeu em Mariana (MG). Com o episódio, 13 milhões de m³ de rejeitos permaneceram no vale de Fundão, 3 milhões de m³ ficaram retidos dentro da área da mineradora e 39,2 milhões de m³ chegaram ao rio Gualaxo do Norte. 

  

Outros 10 milhões de m³ ficaram depositados no trecho entre Fundão e a Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, conhecida como Candonga. Mais 10 milhões de m³ foram represados na Usina de Candonga e cerca de 20 milhões de m³ percorreram o rio Doce, com parte do volume chegando até a foz, em Regência, distrito de Linhares (ES). 

 

O rompimento afetou boa parte das comunidades ao longo dos rios, com destaque aos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, localizados em Mariana (MG), e o distrito de Gesteira, que integra o município de Barra Longa (MG). O cenário requereu a adoção de iniciativas que pudessem solucionar os impactos causados pelo material, tornando-se uma das principais frentes de trabalho desenvolvidas pela Fundação Renova, organização responsável pela reparação e compensação dos danos causados pelo desastre. 

  

Com o Programa de Manejo de Rejeitos, uma iniciativa que tem buscado executar as melhores soluções para o resíduo com o menor impacto para o meio ambiente e para o entorno, mais de 80 especialistas participaram da construção do  plano de ação, que dividiu a região afetada em 17 trechos. 

  

O trabalho de análise foi iniciado enquanto aconteciam as ações emergenciais para recuperação de margens e entornos dos córregos e rios, ainda em 2015. Nessa etapa, foram realizados levantamentos geomorfológicos, hidrodinâmicos e hidrossedimentológicos, ou seja, análises do solo, água e sedimentos, para permitir que os especialistas tivessem uma primeira noção do cenário 

 

Já em 2017, o estudo inicial avançou com a participação de outros atores no desenvolvimento de um plano para remoção dos rejeitos que se espalharam pelo rio Doce e seus afluentes. Foram feitos três workshops que envolveram professores universitários, especialistas, consultores, órgãos ambientais e representantes do Ministério Público para elaboração do Plano de Manejo de Rejeito, que definiu os métodos mais adequados utilizando como critério o plano que gerasse o menor impacto possível nas esferas sociais e ambientais.                                                                                    

Restauração planejada 

  

O Plano de Manejo de Rejeito foi aprovado em junho de 2017 pela Câmara Técnica de Gestão de Rejeitos e Segurança Ambiental, que faz parte do Comitê Interfederativo (CIF), coordenado pelo Ibama. O CIF reúne representantes de órgãos públicos e sociedade com a função de orientar, acompanhar, monitorar e fiscalizar a execução das medidas de reparação previstas no Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC). 

O projeto aprovado divide as ações em 17 trechos atingidos, devido à complexidade do trabalho, com algumas delas já aprovadas pelos órgãos ambientais: do 1 ao 4, que correspondem ao Vale do Fundão; do 6 ao 9 que remetem ao rio Gualaxo do Norte, e, por fim, as etapas 10 e 11 que é o rio Carmo e a nascente do rio Doce. 

 

Do trecho 12 ao 14, o plano segue em avaliação. Já os trechos 15 e 16, que estão localizados no Espírito Santo, e 17, na região marinha, aguardam o planejamento a partir de 2020. Nos trechos de 1 a 4, a engenheira química e líder do programa de Manejo de Rejeito da Fundação, Juliana Bedoya, explica que por se tratar da área mais impactada houve instalação emergencial de diques para proteger e reter os rejeitos que eventualmente saíssem. No local foi construída uma nova estrutura para conter os rejeitos que ainda estão lá, uma medida focada em segurança e proteção ambiental. 

  

Além do trecho mais crítico, o especialista do programa de Manejo de Rejeito da Fundação Renova, Pedro Ivo Diógenis, esclarece como são os primeiros passos para colocar o plano em prática: 

 

“Fazemos um levantamento ambiental da área, como solo, sedimento e água. Depois, identificamos o rejeito e seu volume e analisamos para avaliar as alternativas de manejo”, detalhou. 

Ele conta que os trechos cujos planos foram aprovados não tiveram como solução a remoção dos rejeitos, com exceção de Barra Longa, onde o material precisou ser removidos em caráter emergencial, já que atingiram a área urbana do município. 

  

Por isso, a equipe desenvolveu um grande processo de remoção do rejeito, remanejando para uma área de aterro, preparada exclusivamente para este fim, e utilizou o material, também, para a reestruturação de um campo de futebol de várzea da cidade. 

  

“No restante das áreas, foram feitas revegetações iniciais, que consistem em semear plantas de crescimento rápido, para gerar nutrientes, pois o rejeito alterou a qualidade do solo. Depois, fizemos o controle de erosão e drenagem com bioengenharia. Entramos com máquinas nas planícies e margens, fazendo as intervenções para evitar que os rejeitos que estavam nas margens voltassem para os rios”, esclareceu Pedro. 

 

Alternativas para o manejo 

  

A bioengenharia citada por Pedro utiliza materiais naturais para proteção do solo, como biomantas, detentores de sedimentos, entre outros. O especialista também destaca que o uso do maquinário foi necessário em ações mais pesadas, como a colocação de rochas para ajudar na contenção e estabilizar as margens dos rios. 

  

Outro ponto relevante do trabalho foi a plantação de espécies nativas, que são fundamentais para reconstruir a mata ciliar, que fazem parte das Áreas de Preservação Permanente (APPs). O trabalho é crucial para a recuperação de rios. Além disso, rejeitos não removidos foram adubados com matéria orgânica das plantas e, hoje, é feito o monitoramento para que elas se desenvolvam bem. “Conseguimos provar que as plantas crescem nos rejeitos”, ressaltou o especialista. 

Diálogo para a reconstrução 

  

Um dos diferenciais da iniciativa é a atuação próxima das comunidades afetadas. Isso porque o planejamento inclui o diálogo constante com a população, a exemplo dos desenvolvidos com a comunidade de Camargos, distrito de Mariana (MG). Desta forma, os habitantes das regiões são ouvidos e apontam como esperam que a Fundação Renova realize a recuperação dos cenários. 

  

“Temos projetos que estão sendo construídos em parceria com as comunidades, a exemplo de Camargos e Ponte do Gama, em Mariana. Nos casos em que uma área comum foi atingida pelo rejeito, construímos os projetos junto aos moradores. Por meio de reuniões, eles nos contam como eram essas áreas antes do rompimento e o que eles esperam que a gente faça para recuperar o local”, frisa Pedro Ivo. 

Em Camargos, um pedido específico da população foi atendido. O de recuperar a cachoeira da localidade, um espaço utilizado para lazer antes do rompimento. A partir da solicitação, uma série de encontros foi realizada para integrar os moradores em todas as etapas do trabalho e, em fevereiro deste ano, o projeto de recuperação foi aprovado e segue em execução. Ele inclui desde a remoção do rejeito até a adoção de melhorias no local. 

Estratégias de recuperação e manejo 

  

Por ser um processo complexo, o Plano de Manejo de Rejeitos engloba ações distintas em cada região. Na etapa emergencial, a estratégia consistiu na retirada do rejeito em locais onde havia risco de movimentação e na reconstrução de margens para regularização e correção dos contornos dos rios, com o intuito de diminuir a erosão causada pelos sedimentos.  

  

Ainda como medidas de contenção, foram utilizadas técnicas de paliçada, retenção de sedimentos e drenagem de planícies. A primeira consiste na colocação de barreira em forma de grade, com bambu ou madeira, nas encostas de pequenos barrancos para evitar a passagem de sedimentos. A segunda, formada por rolo de palha e fibras naturais, impede que os sedimentos cheguem à calha por ação das chuvas. A drenagem, por sua vez, envolve a definição de caminhos para o escoamento da água da chuva de planícies vizinhas às margens, canalizando a água em direção à calha. 

Para a recuperação da qualidade da água, o sistema de tratamento natural tem sido um recurso importante. Isso porque a técnica desvia parte da água para tanques laterais que agitam, sedimentam impurezas e filtram com a ajuda de plantas aquáticas capazes de absorver metais. Outras ações para melhoria e monitoramento da qualidade da água também estão em vigor, conheça aqui. 

  

Por fim, mas não menos importante, está o plantio de mata ciliar e a renaturalização. Confira o mapa abaixo indicando as principais ações em cada trecho. 

 

Renaturalização: o caminho de volta à vida 

  

Afluente do rio Doce, o Gualaxo do Norte, localizado no município de Mariana, está recebendo uma técnica pioneira no Brasil que é a da renaturalização do seu leito. O rio teve 48 dos seus 60 quilômetros prejudicados. 

  

Agora, com a renaturalização, o objetivo é oferecer condições naturais para que o curso d'água se recupere ao utilizar recursos na composição do ambiente, como é o caso do uso de troncos, raízes e galhos nas margens e no centro do rio para reproduzir características do meio aquático e, assim, estimular o desenvolvimento de peixes e outros organismos que colaborem com o aumento da biodiversidade do habitat. Tudo com o menor impacto possível. 

  

O trabalho de renaturalização conta com a expertise da Aplysia, empresa de serviços ambientais envolvida no projeto. O diretor técnico da empresa, Fernando Aquinoga, fala de onde veio a inspiração para aplicar a técnica. 

“Fomos buscar essa experiência no Reino Unido. Há mais de 20 anos eles usam elementos naturais para renaturalizar rios. Há cinco anos fomos conhecer mais a fundo com profissionais que atuam na área, e criamos uma troca de conhecimento”, disse. O principal case de sucesso da técnica foi registrado na Inglaterra, onde o rio Tâmisa foi despoluído.  

  

De acordo com Pedro Ivo, a hipótese de utilizar a dragagem de rejeitos chegou a ser cogitada, mas houve a conclusão de que o processo geraria turbidez na água. Então, troncos foram colocados nas calhas dos rios, criando habitats para os peixes. 

  

“Em dois quilômetros do Gualaxo do Norte, colocamos 175 árvores e troncos e mais 15 galhas, completando quase 200 estruturas. Criamos habitats, que são áreas de remanso onde a velocidade do rio é menor. Tem espécies de peixes que gostam desse tipo de ambiente. Os troncos geram vegetação na água, formando alimento para os peixes”, declarou o especialista. 

Com menor velocidade da água, os sedimentos vão ficando no fundo do rio, ajudando a separar a areia dos cascalhos e das pedras. Os resultados podem ser obtidos a curto prazo, mas os efeitos mais significativos surgem entre seis meses e um ano. 

  

A recuperação do Gualaxo do Norte é considerada positiva. O índice de turbidez, que mede a quantidade de sólidos que tem na água, ficou em 30 NTU (Nephelometric Turbidity Unity, ou Unidade Nefelométrica de Turbidez) neste período seco, que vai de abril a setembro. A quantidade máxima estabelecida por lei é de 100 NTU. Mas, em 2016, o rio chegou a atingir 500 mil NTU: “Agora é 30 NTU. É um avanço muito significativo”, resumiu Pedro. 

  

A expectativa é que o rio Gualaxo do Norte receba a mesma heterogeneidade aquática que havia antes do rompimento da Barragem de Fundão. Para isso, além da renaturalização, o rio recebe ações de reflorestamento com plantio de espécies nativas.  

 


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